terça-feira, 26 de outubro de 2010

CARTA DO PAPA BENTO XVI AOS SEMINARISTAS

Queridos Seminaristas,


Em Dezembro de 1944, quando fui chamado para o serviço militar, o comandante de companhia perguntou a cada um de nós a profissão que sonhava ter no futuro. Respondi que queria tornar-me sacerdote católico. O subtenente replicou: Nesse caso, convém-lhe procurar outra coisa qualquer; na nova Alemanha, já não há necessidade de padres. Eu sabia que esta «nova Alemanha» estava já no fim e que, depois das enormes devastações causadas por aquela loucura no país, mais do que nunca haveria necessidade de sacerdotes. Hoje, a situação é completamente diversa; porém de vários modos, mesmo em nossos dias, muitos pensam que o sacerdócio católico não seja uma «profissão» do futuro, antes pertenceria já ao passado. Contrariando tais objecções e opiniões, vós, queridos amigos, decidistes-vos a entrar no Seminário, encaminhando-vos assim para o ministério sacerdotal na Igreja Católica. E fizestes bem, porque os homens sempre terão necessidade de Deus – mesmo na época do predomínio da técnica no mundo e da globalização –, do Deus que Se mostrou a nós em Jesus Cristo e nos reúne na Igreja universal, para aprender, com Ele e por meio d’Ele, a verdadeira vida e manter presentes e tornar eficazes os critérios da verdadeira humanidade. Sempre que o homem deixa de ter a noção de Deus, a vida torna-se vazia; tudo é insuficiente. Depois o homem busca refúgio na alienação ou na violência, ameaça esta que recai cada vez mais sobre a própria juventude. Deus vive; criou cada um de nós e, por conseguinte, conhece a todos. É tão grande que tem tempo para as nossas coisas mais insignificantes: «Até os cabelos da vossa cabeça estão contados». Deus vive, e precisa de homens que vivam para Ele e O levem aos outros. Sim, tem sentido tornar-se sacerdote: o mundo tem necessidade de sacerdotes, de pastores hoje, amanhã e sempre enquanto existir.

O Seminário é uma comunidade que caminha para o serviço sacerdotal. Nestas palavras, disse já algo de muito importante: uma pessoa não se torna sacerdote, sozinha. É necessária a «comunidade dos discípulos», o conjunto daqueles que querem servir a Igreja de todos. Com esta carta, quero evidenciar – olhando retrospectivamente também para o meu tempo de Seminário – alguns elementos importantes para o vosso caminho a fazer nestes anos.

1. Quem quer tornar-se sacerdote, deve ser sobretudo um «homem de Deus», como o apresenta São Paulo (1 Tm 6, 11). Para nós, Deus não é uma hipótese remota, não é um desconhecido que se retirou depois do «big-bang». Deus mostrou-Se em Jesus Cristo. No rosto de Jesus Cristo, vemos o rosto de Deus. Nas suas palavras, ouvimos o próprio Deus a falar connosco. Por isso, o elemento mais importante no caminho para o sacerdócio e ao longo de toda a vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. O sacerdote não é o administrador de uma associação qualquer, cujo número de membros se procura manter e aumentar. É o mensageiro de Deus no meio dos homens; quer conduzir a Deus, e assim fazer crescer também a verdadeira comunhão dos homens entre si. Por isso, queridos amigos, é muito importante aprenderdes a viver em permanente contacto com Deus. Quando o Senhor fala de «orar sempre», naturalmente não pede para estarmos continuamente a rezar por palavras, mas para conservarmos sempre o contacto interior com Deus. Exercitar-se neste contacto é o sentido da nossa oração. Por isso, é importante que o dia comece e acabe com a oração; que escutemos Deus na leitura da Sagrada Escritura; que Lhe digamos os nossos desejos e as nossas esperanças, as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos erros e o nosso agradecimento por cada coisa bela e boa, e que deste modo sempre O tenhamos diante dos nossos olhos como ponto de referência da nossa vida. Assim tornamo-nos sensíveis aos nossos erros e aprendemos a trabalhar para nos melhorarmos; mas tornamo-nos sensíveis também a tudo o que de belo e bom recebemos habitualmente cada dia, e assim cresce a gratidão. E, com a gratidão, cresce a alegria pelo facto de que Deus está perto de nós e podemos servi-Lo.

2. Para nós, Deus não é só uma palavra. Nos sacramentos, dá-Se pessoalmente a nós, através de elementos corporais. O centro da nossa relação com Deus e da configuração da nossa vida é a Eucaristia; celebrá-la com íntima participação e assim encontrar Cristo em pessoa deve ser o centro de todas as nossas jornadas. Para além do mais, São Cipriano interpretou a súplica do Evangelho «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», dizendo que o pão «nosso», que, como cristãos, podemos receber na Igreja, é precisamente Jesus eucarístico. Por conseguinte, na referida súplica do Pai Nosso, pedimos que Ele nos conceda cada dia este pão «nosso»; que o mesmo seja sempre o alimento da nossa vida, que Cristo ressuscitado, que Se nos dá na Eucaristia, plasme verdadeiramente toda a nossa vida com o esplendor do seu amor divino. Para uma recta celebração eucarística, é necessário aprendermos também a conhecer, compreender e amar a liturgia da Igreja na sua forma concreta. Na liturgia, rezamos com os fiéis de todos os séculos; passado, presente e futuro encontram-se num único grande coro de oração. A partir do meu próprio caminho, posso afirmar que é entusiasmante aprender a compreender pouco a pouco como tudo isto foi crescendo, quanta experiência de fé há na estrutura da liturgia da Missa, quantas gerações a formaram rezando.

3. Importante é também o sacramento da Penitência. Ensina a olhar-me do ponto de vista de Deus e obriga-me a ser honesto comigo mesmo; leva-me à humildade. Uma vez o Cura d’Ars disse: Pensais que não tem sentido obter a absolvição hoje, sabendo entretanto que amanhã fareis de novo os mesmos pecados. Mas – assim disse ele – o próprio Deus neste momento esquece os vossos pecados de amanhã, para vos dar a sua graça hoje. Embora tenhamos de lutar continuamente contra os mesmos erros, é importante opor-se ao embrutecimento da alma, à indiferença que se resigna com o facto de sermos feitos assim. Na grata certeza de que Deus me perdoa sempre de novo, é importante continuar a caminhar, sem cair em escrúpulos mas também sem cair na indiferença, que já não me faria lutar pela santidade e o aperfeiçoamento. E, deixando-me perdoar, aprendo também a perdoar aos outros; reconhecendo a minha miséria, também me torno mais tolerante e compreensivo com as fraquezas do próximo.

4. Mantende em vós também a sensibilidade pela piedade popular, que, apesar de diversa em todas as culturas, é sempre também muito semelhante, porque, no fim de contas, o coração do homem é o mesmo. É certo que a piedade popular tende para a irracionalidade e, às vezes, talvez mesmo para a exterioridade. No entanto, excluí-la, é completamente errado. Através dela, a fé entrou no coração dos homens, tornou-se parte dos seus sentimentos, dos seus costumes, do seu sentir e viver comum. Por isso a piedade popular é um grande património da Igreja. A fé fez-se carne e sangue. Seguramente a piedade popular deve ser sempre purificada, referida ao centro, mas merece a nossa estima; de modo plenamente real, ela faz de nós mesmos «Povo de Deus».

5. O tempo no Seminário é também e sobretudo tempo de estudo. A fé cristã possui uma dimensão racional e intelectual, que lhe é essencial. Sem tal dimensão, a fé deixaria de ser ela mesma. Paulo fala de uma «norma da doutrina», à qual fomos entregues no Baptismo (Rm 6, 17). Todos vós conheceis a frase de São Pedro, considerada pelos teólogos medievais como a justificação para uma teologia elaborada racional e cientificamente: «Sempre prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar “a razão” (logos) da vossa esperança» (1 Ped 3, 15). Adquirir a capacidade para dar tais respostas é uma das principais funções dos anos de Seminário. Tudo o que vos peço insistentemente é isto: Estudai com empenho! Fazei render os anos do estudo! Não vos arrependereis. É certo que muitas vezes as matérias de estudo parecem muito distantes da prática da vida cristã e do serviço pastoral. Mas é completamente errado pôr-se imediatamente e sempre a pergunta pragmática: Poderá isto servir-me no futuro? Terá utilidade prática, pastoral? É que não se trata apenas de aprender as coisas evidentemente úteis, mas de conhecer e compreender a estrutura interna da fé na sua totalidade, de modo que a mesma se torne resposta às questões dos homens, os quais, do ponto de vista exterior, mudam de geração em geração e todavia, no fundo, permanecem os mesmos. Por isso, é importante ultrapassar as questões volúveis do momento para se compreender as questões verdadeiras e próprias e, deste modo, perceber também as respostas como verdadeiras respostas. É importante conhecer a fundo e integralmente a Sagrada Escritura, na sua unidade de Antigo e Novo Testamento: a formação dos textos, a sua peculiaridade literária, a gradual composição dos mesmos até se formar o cânon dos livros sagrados, a unidade dinâmica interior que não se nota à superfície, mas é a única que dá a todos e cada um dos textos o seu pleno significado. É importante conhecer os Padres e os grandes Concílios, onde a Igreja assimilou, reflectindo e acreditando, as afirmações essenciais da Escritura. E poderia continuar assim: aquilo que designamos por dogmática é a compreensão dos diversos conteúdos da fé na sua unidade, mais ainda, na sua derradeira simplicidade, pois cada um dos detalhes, no fim de contas, é apenas explanação da fé no único Deus, que Se manifestou e continua a manifestar-Se a nós. Que é importante conhecer as questões essenciais da teologia moral e da doutrina social católica, não será preciso que vo-lo diga expressamente. Quão importante seja hoje a teologia ecuménica, conhecer as várias comunidade cristãs, é evidente; e o mesmo se diga da necessidade duma orientação fundamental sobre as grandes religiões e, não menos importante, sobre a filosofia: a compreensão daquele indagar e questionar humano ao qual a fé quer dar resposta. Mas aprendei também a compreender e – ouso dizer – a amar o direito canónico na sua necessidade intrínseca e nas formas da sua aplicação prática: uma sociedade sem direito seria uma sociedade desprovida de direitos. O direito é condição do amor. Agora não quero continuar o elenco, mas dizer-vos apenas e uma vez mais: Amai o estudo da teologia e segui-o com diligente sensibilidade para ancorardes a teologia à comunidade viva da Igreja, a qual, com a sua autoridade, não é um pólo oposto à ciência teológica, mas o seu pressuposto. Sem a Igreja que crê, a teologia deixa de ser ela própria e torna-se um conjunto de disciplinas diversas sem unidade interior.

6. Os anos no Seminário devem ser também um tempo de maturação humana. Para o sacerdote, que terá de acompanhar os outros ao longo do caminho da vida e até às portas da morte, é importante que ele mesmo tenha posto em justo equilíbrio coração e intelecto, razão e sentimento, corpo e alma, e que seja humanamente «íntegro». Por isso, a tradição cristã sempre associou às «virtudes teologais» as «virtudes cardeais», derivadas da experiência humana e da filosofia, e também em geral a sã tradição ética da humanidade. Di-lo, de maneira muito clara, Paulo aos Filipenses: «Quanto ao resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento» (4, 8). Faz parte deste contexto também a integração da sexualidade no conjunto da personalidade. A sexualidade é um dom do Criador, mas também uma função que tem a ver com o desenvolvimento do próprio ser humano. Quando não é integrada na pessoa, a sexualidade torna-se banal e ao mesmo tempo destrutiva. Vemos isto, hoje, em muitos exemplos da nossa sociedade. Recentemente, tivemos de constatar com grande mágoa que sacerdotes desfiguraram o seu ministério, abusando sexualmente de crianças e adolescentes. Em vez de levar as pessoas a uma humanidade madura e servir-lhes de exemplo, com os seus abusos provocaram devastações, pelas quais sentimos profunda pena e desgosto. Por causa de tudo isto, pode ter-se levantado em muitos, e talvez mesmo em vós próprios, esta questão: se é bom fazer-se sacerdote, se o caminho do celibato é sensato como vida humana. Mas o abuso, que há que reprovar profundamente, não pode desacreditar a missão sacerdotal, que permanece grande e pura. Graças a Deus, todos conhecemos sacerdotes convincentes, plasmados pela sua fé, que testemunham que, neste estado e precisamente na vida celibatária, é possível chegar a uma humanidade autêntica, pura e madura. Entretanto o sucedido deve tornar-nos mais vigilantes e solícitos, levando precisamente a interrogarmo-nos cuidadosamente a nós mesmos diante de Deus ao longo do caminho rumo ao sacerdócio, para compreender se este constitui a sua vontade para mim. É função dos padres confessores e dos vossos superiores acompanhar-vos e ajudar-vos neste percurso de discernimento. É um elemento essencial do vosso caminho praticar as virtudes humanas fundamentais, mantendo o olhar fixo em Deus que Se manifestou em Cristo, e deixar-se incessantemente purificar por Ele.

7. Hoje os princípios da vocação sacerdotal são mais variados e distintos do que nos anos passados. Muitas vezes a decisão para o sacerdócio desponta nas experiências de uma profissão secular já assumida. Frequentemente cresce nas comunidades, especialmente nos movimentos, que favorecem um encontro comunitário com Cristo e a sua Igreja, uma experiência espiritual e a alegria no serviço da fé. A decisão amadurece também em encontros muito pessoais com a grandeza e a miséria do ser humano. Deste modo os candidatos ao sacerdócio vivem muitas vezes em continentes espirituais completamente diversos; poderá ser difícil reconhecer os elementos comuns do futuro mandato e do seu itinerário espiritual. Por isso mesmo, o Seminário é importante como comunidade em caminho que está acima das várias formas de espiritualidade. Os movimentos são uma realidade magnífica; sabeis quanto os aprecio e amo como dom do Espírito Santo à Igreja. Mas devem ser avaliados segundo o modo como todos se abrem à realidade católica comum, à vida da única e comum Igreja de Cristo que permanece uma só em toda a sua variedade. O Seminário é o período em que aprendeis um com o outro e um do outro. Na convivência, por vezes talvez difícil, deveis aprender a generosidade e a tolerância não só suportando-vos mutuamente, mas também enriquecendo-vos um ao outro, de modo que cada um possa contribuir com os seus dotes peculiares para o conjunto, enquanto todos servem a mesma Igreja, o mesmo Senhor. Esta escola da tolerância, antes do aceitar-se e compreender-se na unidade do Corpo de Cristo, faz parte dos elementos importantes dos anos de Seminário.

Queridos seminaristas! Com estas linhas, quis mostrar-vos quanto penso em vós precisamente nestes tempos difíceis e quanto estou unido convosco na oração. Rezai também por mim, para que possa desempenhar bem o meu serviço, enquanto o Senhor quiser. Confio o vosso caminho de preparação para o sacerdócio à protecção materna de Maria Santíssima, cuja casa foi escola de bem e de graça. A todos vos abençoe Deus omnipotente Pai, Filho e Espírito Santo.
 
Vaticano, 18 de Outubro – Festa de São Lucas, Evangelista – do ano 2010.
 
 

sábado, 16 de outubro de 2010

Mitos Litúrgicos Comentados - Mito 22: Missa de frente para Deus ou de frente para os fiéis?


Este estudo é baseado no artigo "Mitos Litúrgicos", que escrevi e foi revisado por Sua Excelência Reverendíssima Antonio Carlos Rossi Keller, Bispo da Diocese de Frederico Westphalen (RS). O artigo lista 32 idéias equivocadas sobre a Sagrada Liturgia e contra-argumento com a palavra oficial da Santa Igreja. Foi publicado em Fevereiro de 2009 e pode ser lido na íntegra em:



http://www.salvemaliturgia.com/2009/04/mitos-liturgicos.html



Nesta vigésima segunda postagem, postamos o Mito 22, juntamente com um comentário atual a respeito, aprofundando o assunto.



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Mito 22: "Atualmente o padre tem que rezar de frente para os fiéis"



Não tem.



Foi publicada em 1993, no seu boletim Notitiae, uma nota da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos reafirma a licitude tanto da celebração "Versus Populum" (com o sacerdote voltado para o povo) quanto da "Versus Deum" (com o sacerdote e povo voltados para Deus, isto é, na mesma direção)



Assim, mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI, é perfeitamente possível que se celebre a Santa Missa com o sacerdote e os fiéis voltados na mesma direção.



O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI dedicou à este tema um capítulo inteiro do seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", publicado em 1999; é o capítulo III da parte II, denominado "O altar e a orientação da oração na Liturgia".



Neste texto, o Santo Padre incentiva a celebração em "Versus Deum", exaltando o profundo significado litúrgico que tem o sacerdote e os fiéis voltados para a mesma direção, isto é, para Deus.



Ele diz:



"O sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria. (... ) Não é que o olhar para o sacerdote seja de importância, é o olhar comum para o Senhor. Não é o diálogo que está agora em causa, mas a adoração comum, a partida para o futuro. Não é o círculo fechado que corresponde ao que está a acontecer, mas sim a partida em conjunto, que se manifesta para direção comum a todos."



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Comentário sobre este Mito (16/10):



Penso que esta questão da celebração em Versus Deum é algo que, há 6 anos atrás, era um assunto complicadíssimo de abordar, mesmo em meios católicos.



Agora, Deus tendo colocado no Trono de Pedro o Santo Padre Bento XVI, penso que isso é bem mais tranquilo de abordar, exatamente por já termos manifestação do Santo Padre sobre sobre o assunto, e mesmo ele já tendo celebrado a Santa Missa em Versus Deum várias vezes e publicamente, tanto como Cardeal como também enquanto Papa.



As referência do Papa encontram-se principalmente no seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia".



Essas citações trazemos mais abaixo, para enriquecer esta postagem, e mostrar claramente o pensamento do Papa.



Antes disso, retomamos algo que já dissemos anteriormente:



Nós somos BENEFICIÁRIOS da Santa Missa, e NÃO os seus DESTINATÁRIOS.



Pois a Santa Missa é Renovação do Único e Eterno Sacrifício de Nosso Senhor, consumado de uma vez por todas na cruz, tornado presente no altar e oferecido ao Pai Eterno, pelas mãos do sacerdote (Cat. 1362-1372; 1411); e é onde Nosso Senhor se faz presente verdadeiramente e substancialmente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (Cat. n. 1374-1377)



Deus é o DESTINATÁRIO, pois Ele recebe a nossa adoração; e nós somos BENEFICIÁRIOS, pois colhemos os frutos da participação no Santo Sacrifício da Missa, principalmente quando comungamos o Corpo de Deus.



Nesse sentido, a Missa é, ESSENCIALMENTE, NÃO para nós, para PARA DEUS.



Feitos estes pressupostos, vamos aos escritos do Papa.


No seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", o Papa, na "segunda parte", dedica o capítulo III inteiro para tratar desta questão.



O título é:



"O altar e a Orientação da Liturgia".



O Papa começa mostrando que, desde a Igreja Primitiva, existe uma tradição litúrgica da oração em todos em comum (fiéis e sacerdotes, portanto) voltavam-se para o Oriente, e explica as razões diss. Vamos as palavras do Papa:



"Há uma evidência comum para toda a Cristandade, que prevaleceu a todas as variações até o segundo milênio tardio: a orientação da oração para o Oriente é a tradição desde o início, é a expressão fundamental da síntese cristã do Cosmos, da Hístória, da consolidaão dentro da singularidade da História da Salvação e da aproximação do Senhor que há de vir."



E o Papa continua, tomando como exemplo da "orientação comum" as orações do judeus e dos muçulmanos, e reconhecendo as dificuldades do mundo moderno de compreender estes simbolismos:



O Papa reconhece que, enquanto "os homens de hoje não tem muita compreensão para essa orientação", a oração "em direção ao lugar central da revelação", sito é, "a Deus que se nos revelou, e como e onde se revelou", "continua a ser evidente para o Judaísmo e para o Islão".



E falando no nosso contexto cristão, o Papa explica:



"Tal como Deus se encarnou e entrou no espaço e no tempo, tal é conveniente para a oração - pelo menos na Missa - que o nosso falar com Deus seja e cristológico e que, mediante Aquele que se encarnou, se dirija a Deus Trino. O símbolo cósmico do Sol nascente é a expressão da universalidade que é superior a todo o lugar, afirmando, ao mesmo tempo, o concreto da Revelação de Deus. A nossa oração insere-se assim na peregrinação dos povos rumo a Deus."



O Papa presta ainda dois esclarecimentos históricos.



Primeiro esclarecimento:



Se por razões arquitetônicas nas construções das igrejas o sacerdote precisava se voltar para a direção do povo para celebrar voltado para o Oriente, o Papa responde, citando Cyrille Vogel:



"Se alguma vez se fez caso de algo, então foi que o sacerdote tinha que dirigir tanto a Oração Eucarísitca como todas as outras ações para o Oriente. Mesmo se a orientação do altar na igreja permitia ao sacerdote dirigir a oração ao povo, não nos podemos esquecer que, não apenas o sacerdote, mas também toda a assembléia se dirigia para o Oriente."



Quanto a isso, o jornalista Márcio Campos, em artigo publicado no ano passado em nosso blog, explica:



"No caso da Basílica de São Pedro, e de outras igrejas voltadas ao ocidente, quando o padre rezava voltado para o oriente, não só ele fazia isso: toda a assembléia também se voltava para a mesma direção. Ou seja, era o povo que "dava as costas" para o padre, e até para o altar."



Evidentente que NÃO estamos sugerindo que ninguém "fique de costas" para o altar em nossas igrejas, mas este dado histórico nos mostra a importância que a oração voltada em uma direção em comum tinha para os cristãos, mesmo que em algum contexto voltassem as costas para o altar, para Jesus Eucarístico e para o sacerdote.



O significado teológico disso é que a Missa é o Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, do próprio Cristo que celebra intercedendo por nós em sua entrega sacrificial, por Amor ao Pai e a nós; e portando, é o SAcrifício do Corpo de Cristo, isto é, da Igreja (Cat. 787-796), Cabeça e Membros; NÃO existe Sacrifício da Cabeça sem o Sacrifício dos membros. Sacrifício oferecido a quem? A Deus Pai! Portanto, é toda a assembléia que, POR CRISTO, COM CRISTO e EM CRISTO se dirige ao Pai.



Segundo esclarecimento: Mesmo na Última Ceia, Nosso Senhor celebrou em Versus Deum.



O Papa nos ensina, citando Louis Bouyer:



"A idéia - nomeadamente a da última ceia - de que a celebração Versus Populum tenha sido a forma original da Última Ceia, baseia-se simplesmente no conceito incorreto de um banquete cristão ou não cristão na Antiguidade. Nos primeiros tempos cristãos, nunca o dirigiente de um banquete teria tomado lugar diante dos outros participantes. Todos estavam sentados ou deitados no lado convexo de uma mesa em forma de sigma ou de ferradura. Em tempos da Antiguidade cristã nunca teria surgido a idéia de que o dirigente de um banquete devesse tomar o seu lugar Versus Populum. O caráter da convivência de um banquete era realçado precisamente pela ordenação oposta de lugares, isto é, todos estavam sentados do mesmo lado da mesa."



E o Papa explica o porque pode "parecer" que a Missa em Versus Populum seja mais adequada, e vai respondendo as objeções.



Diz o Papa que "a inovação da Liturgia deste século" desenvolveu a "idéia de uma nova configuração de Missa": "A Eucaristia teria que ser celebrada Versus Populum (em direção ao povo)", modo a que "o sacerdote e o povo se pudessem olhar mutuamente".



O Papa continua:



"Essas conclusões pareciam tão convincentes que, depois do Concílio (que em si não falava da orientação para o povo) foram erigidos altares novos por todo o lado; a direção da celebração "versus populum", surge hoje praticamente como o autêntico fruto da inovação litúrgica, em concordância com o Vaticano II. Na realidade, ela é a consequência mais visível da reestruturação que não implica apenas no ordenamente exterior dos lugares litúrgicos, mas sobretudo uma nova compreensão da natureza da liturgia como ceia."



O que o Papa está falando aqui é algo sério: por detrás da rejeição ao Versus Deum, está havendo uma perda de sentido a respeito da essência da Santa Missa.



Pois como dissemos anteriormente, que NÃO é apenas uma "ceia", mas é essencialemten a Renovação Incruenta do Sacrifício de Nosso Senhor. Embora a Santa Missa tenha uma dimensão de banquete e ceia, é um banquete essencialmente sacrifical, que perde totalmente o sentido se não reconhecermos nele a dimensão de Sacrifício. Pois na Santa Missa não nos alimentamos de uma comida qualquer como em um banquete ou ceia comuns, mas sim do Corpo de Deus.



Por isso, o saudoso Papa João Paulo II lamenta na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia (n. 10):



"As vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesma. Além disso, a necessidade do sacerdócio ministerial, que se fundamenta na sucessão apostólica, fica às vezes obscurecida, e a sacramentalidade da Eucaristia é reduzida à simples eficácia do anúncio. (...) Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um Dom demasiadamente grande para suportar ambigüidades e reduções."



Voltamos ao Papa Bento XVI, no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", prosseguindo a explicação:



"A esta análise de forma de "banquete", deve acrescentar-se que seria certamente insuficiente realizar uma descrição completa da Eucaristia Cristã apenas com base na " ceia". Apesar do Senhor ter oferecido a novidade do culto cristão no sentido de uma ceia judaica (Pascha), ele não ordenou a reiteração da ceia em si, mas sim do "novo" que ela constituia. Por isso é que o se separou muito rapidamente do contexto "velho", encontrando a sua própria forma que lhe era conforme e que já era preconcebida pelo fato da Eucaristia remeter para a cruz."



Pressegue o Papa, comentado a respeito das consequências negativas destas distorções:



"Só assim se pode explicar, que, doravante, a direção da oração comum do sacerdote e do povo tenho sido rotulada como "celebrar para a parede" ou "virar as coisas ao povo", o que, obviamente, parecia ser completamente absurdo e inadmissível. (...) Voltar-se em conjunto para o Oriente, não era era uma e não significava do sacertdote : no fundo, isso não tinha muita importância. Porque da mesma maneira como as pessoas na Sinagoga se voltavam para Jerusalém, elas voltavam-se aqui em conjunto . Trata-se - como foi escrito por um dos presbíteros que elaboraram a Constituição Litúrgica do Vaticano II, J. A. Jungmann - de uma orientação comum do sacerdote e do povo, que se entendim unidos na caminhada para o Senhor. Eles não se fecham no círculo, não se olham uns aos outros; são um povo que se põe a caminho para o Oriens, rumo a Cristo vindouro que se aproxima de nós".



Com efeito, o que importa não é estar "voltado para a parede" ou "estar de costas para o povo", mas sim, estar "Versus Deum", ou seja, "de frente para a Deus"!



Pois a referência NÃO é nem a parede, nem o povo, nem mesmo o sacerdote, mas Deus!



Outra consequência, aliás, que o Papa fala: a clericalização.



Fala o Papa:



"Na realidade, isso levou a uma clericalização jamais vista. O sacerdote - ou melhor, o agora chamado presidente da celebração - torna-se ponto de referência do todo. Tudo depende dele. É necessário vê-lo, participar na sua ação, responder-lhe; tudo assenta na sua criatividade. (...) Cada vez menos é Deus que se encontra em destaque, cada vez mais importância ganha tudo o que as pessoas aqui reunidas fazem e que em nada se querem submeter a um esquema prescrito. O sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria."



O Papa continua:



"É essencial voltar-se em conjunto para o Oriente na Oração Eucarística. Aqui, não se trata se algo casual, mas sim substancial. Não é que o olhar para o sacerdote seja de importância, é o olhar comum para o Senhor. Não é o diálogo que está agora em causa, mas a adoração comum, a partida para o futuro. Não é o círculo fechado que corresponde ao que está a acontecer, mas sim a partida em conjunto, que se manifesta para direção comum a todos. (...) Será que estamos tão perdidamente encerrados no nosso próprio círculo?"



Como vamos, são fortes os termos que o Papa usa ("essencial" para falar do Versus Deum na Oração Eucarística, "círculo fechado" para falar do Versus Populum).



Em tempo: vimos que o voltar-se fisicamente para o Oriente tem um sentido, conforme vimos na tradição litúrgica e nas palavras do Papa. Porém, é importante observar que o Versus Deum (ou seja, uma orientação física comum aos sacerdotes e aos fiéis) é possível de observar mesmo nos casos que NÁO se está fisicamente voltado para o oriente, e MANTÉM,evidentemente grande parte do seu simbolismo litúrgico.



Para aprofundar o assunto, existe um livro do grande liturgista, Mons. Klaus Gamber, chamado "Voltados para o Senhor".



O Prefácio a Edição Francesa é do próprio Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, onde ele escreve, no dia 18 de Novembro de 1992:



"O que dá importância a este livro é sobretudo o substrato teológico, posto em dia por esses

sábios investigadores. A orientação da oração comum a sacerdotes e fiéis (cuja forma simbólica era geralmente em direção ao leste/oriente, quer dizer, ao sol que se eleva), era concebida como um olhar lançado ao Senhor, ao verdadeiro sol. Há na liturgia uma antecipação de seu regresso: sacerdotes e fiéis vão ao seu encontro. Esta orientação da oração expressa no caráter teocêntrico da liturgia obedece à exortação: “Voltemo-nos para o Senhor”. Esta monição, esta chamada, dirige-se a todos nós, e mostra, indo além de seu aspecto litúrgico, como faz falta que toda a Igreja viva e atue para corresponder à mensagem do Senhor."



Neste livro, ao qual como vemos o Papa deu todo aval, chama a atenção o quanto Mons. Gamber é incisivo em afirmar a origem protestante do que hoje entendemos por Versus Populum.



IMPORTANTE: de forma alguma estamos afirmando aqui que as Missas em Versus Populum sejam algo essencialmente protestante, ou que todos os que as defendem tenham idéias protestantes; pois a Missa em Versus Polulum, apesar de o Papa e muitos liturgistas NÃO considerarem o jeito mais adequado liturgicamente de celebrar, Roma permitiu que assim também se celebrasse. O que estamos fazendo aqui é simplesmente retormarmos dados históricos para compreendermos a movimentação que deu origem a todas essas questões litúrgicas disputadas de hoje em dia.



Diz Mons. Gamber:



"A idéia de um face a face entre o sacerdote e a assembléia na Missa remonta a Martinho Lutero. (...) Como sabemos, Lutero negou o caráter sacrifical da Missa: não via nela mais que a proclamação da Palavra de Deus, à qual seguia a celebração da Ceia. Daqui vem sua exigência, já mencionada, de que o celebrante estivesse voltado para a assembléia. Certos teólogos católicos modernos não negam diretamente o caráter sacrifical da Missa, porém gostariam de vê-lo num segundo plano a fim de poder ressaltar melhor o caráter de ceia da celebração. Na maioria das vezes, por causa de considerações ecumênicas a favor dos protestantes, descuidando contudo

de seu ecumenismo quanto às igrejas orientais ortodoxas para as quais o caráter sacrifical da Divina Liturgia é um fato indiscutível. (...) Esperamos ter deixado claro que antes de Martinho Lutero, em parte alguma se encontra a idéia do sacerdote voltado para a assembléia durante a celebração da Santa Missa, nem tampouco a favor desta maneira de ver se pode invocar algum descobrimento arqueológico."


Também Guido Marini, Cerimoniário do Papa Bento XVI, no dia 06 de Janeiro de 2010, em Conferência no Vaticano para o ano sacerdotal (texto que publicamos em nosso blog), nos explica:



"Sem precisar recorrer a uma análise histórica detalhada de desenvolvimento da arte cristã, gostaríamos de reafirmar que a oração voltada para o oriente, mais especificamente, voltada para o Senhor, é uma expressão característica do autêntico espírito da liturgia. É neste sentido que somos convidados a voltar nossos corações para o Senhor durante a celebração da liturgia eucarística, como o diálogo introdutório do Prefácio bem nos recorda. Sursum corda “Corações ao alto”, exorta o sacerdote, e todos respondem: Habemus ad Dominum “O nosso coração está em Deus.” Ora, se tal orientação deve ser sempre adotada interiormente pela comunidade cristã inteira quando reunida em oração, deveria ser possível encontrar esta orientação expressa externamente também através de sinais. O sinal externo, além disso, não poderá ser verdadeiro, a não ser que através dele a atitude espiritual correta se torne visível."



Continua Dom Marini:



"Desta forma pode-se entender porque hoje ainda é possível celebrar a Santa Missa nos altares antigos, quando as características arquitetônicas e artísticas de nossas igrejas assim o permitirem. Também nisto, o Santo Padre nos dá um exemplo quando celebra a sagrada eucaristia no antigo altar na Capela Sistina na festa do Batismo do Senhor."



E ele conclui:



"Em nosso tempo, a expressão “celebração voltada para o povo” entrou no vocabulário comum. Se a intenção ao usar esta expressão é descrever a localização do sacerdote que, nos dias de hoje frequentemente se encontra voltado para a assembléia devido à posição do altar, tal expressão é aceitável. Todavia, tal expressão seria categoricamente inaceitável a partir do momento em que viesse a expressar uma proposição teológica. Teologicamente falando, a Santa Missa, na realidade, é sempre dirigida a Deus por Cristo Senhor, e seria um grave erro imaginar que a orientação principal da ação sacrifical é a comunidade. Logo, tal orientação, de se voltar em direção ao Senhor, tem que animar a participação interior de cada indivíduo durante a liturgia. É igualmente importante que esta orientação seja bem visível como sinal litúrgico também."


Também o Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, da Arquidiocese de Cuiabá-MT, em sua entrevista concendida ao nosso blog, afirma:




"Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol). Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das “conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do Concílio nem tratam do assunto. A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica. Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática. A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico."



Pe. Paulo se posiciona da mesma forma que o Papa:



"Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática. A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico."



Um fenômeno interessante que acontece émuitas vezes em novenas de Paróquias, em que o sacerdote celebra em Versus Populum, e na hora da oração da Novena após a Comunhão, o sacerdote se volta para uma imagem da Virgem Maria (no caso de uma novena mariana), não se importanto nesse caso de "dar as costas ao povo". Porque? Porque a novena no caso não é para o povo, e sim para a Virgem.



E a Santa Missa, é para quem?



Respondemos, abaixo, alguns questionamentos que frequentemente nos deparamos a respeito do assunto.



Primeira questão:



Na Missa em Versus Deum, sacerdote e fiéis ficam a Missa inteira voltados para a mesma direção?



Não.



E esta falta de entendimento a respeito de uma questão bem prática creio que pode gerar resistência para a idéia de celebrar em Versus Deum.



Muitos estranham o Versus Deum porque partem do pressuposto equivocado de que a Santa Missa é para os fiéis. Ora, partindo-se do pressuposto de que a Santa Missa NÃO é para os fiéis e sim pra Deus, nada mais natural do que o sacerdote voltar-se pra Deus nos momentos que se dirige à Deus, e voltar-se para o povo nos momentos que se dirigir ao povo (isso acontece na saudação inicial, ao dizer "Oremos", na Liturgia da Palavra, nas partes dialogadas como "Dominus Vobiscum" - "O Senhor esteja convosco" -, na apresentação do Corpo de Deus antes da Comunhão, na Benção Final e Despedida.



Ou seja: na Missa em Versus Deum, nos momentos em que o sacerdote se dirige para Deus, ele se volta para Deus; nos momentos em que o sacerdote fala para o povo, ele se volta para o povo.



Nada mais natural, não?



Segunda questão:



A Instrução Geral do Missal Romano orienta que a Missa, na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo, seja em Versus Populum?



Não.



Segundo a explicação do próprio Papa, o que ela orienta é que, ***se possível***, o altar seja construído afastado da parede, para ***possibilitar*** a celebração em Versus Populum; mas não somente para isso, mas para que o altar possa ser mais facilmente circundado, podendo ser incensado por todos os lados.



A este respeito, citamos a explicação do próprio Papa (Cardeal Joseph Ratzinger, A introdução

do decano do Sacro Colégio ao livro de Uwe Michael Lang, in 30 Dias, disponível

em http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=3510 ):



"Sobre a orientação do altar para o povo, não há sequer uma palavra no texto conciliar. Ela é mencionada em instruções pós-conciliares. A mais importante delas é a Institutio generalis Missalis Romani, a Introdução Geral ao novo Missal Romano, de 1969, onde, no número 262, se lê: "O altar maior deve ser construído separado da parede, de modo a que se possa facilmente andar ao seu redor e celebrar, nele, olhando na direção do povo [versus populum]". A introdução à nova edição do Missal Romano, de 2002, retomou esse texto à letra, mas, no final, acrescentou o seguinte: "Isso é desejável sempre que possível". Esse acréscimo foi lido por muitos como um enrijecimento do texto de 1969, no sentido de que agora haveria uma obrigação geral de construir - "sempre que possível" - os altares voltados para o povo. Essa interpretação, porém, já havia sido repelida pela Congregação para o Culto Divino, que tem competência sobre aquestão, em 25 de setembro de 2000, quando explicou que a palavra "expedit" [é desejável] não exprime uma obrigação."



Na própria Capela Privada do Papa, o altar é junto a parede, e nela o Papa tem o costuma de celebrar em Versus Deum, como podemos ver neste vídeo que publicamos há algum tempo atrás em nosso blog:



http://www.youtube.com/watch?v=7PUeRutbra4



Dizem alguns teólogos modernistas que a Liturgia, durante séculos, teve "erroneamente", como centro, a Presença Eucarística de Nosso Senhor (!). Tais modernistas compreendem bem o valor dos símbolos para o ser humano, e para que suas novas concepções litúrgicas sejam aos poucos assimiladas, fazem questão de desprezar os sinais externos da Liturgia que apontam para sua verdadeira essência e para a adoração de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada:



- o dobrar os joelhos para adorar



- as paramentações completas do sacerdote que celebra



- o altar esplendoroso, ornamentado com castiçais e arranjos de flores



- o uso frequente do incenso



- o valor do latim como língua sagrada



- a Santa Missa celebrada em Versus Deum ("Voltado para Deus", com sacerdote e povo voltados para a mesma direção, como o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia")



...e assim por diante.



É preciso perceber esta movimentação modernista e revolucionária que existe hoje, para nos posicionarmos.



Uma última questão: O que fazer quando, por razões diversas (sejam físicas, pastorais...) é impossível celebrar em Versus Deum?



Na celebração em Versus Deum, que é a forma tradicional de celebrar e a forma como o Papa recomendou no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", o costume é colocar ocrucifixo no centro, acima do altar, em cima do Sacrário ou na parede, fazendo com que seja ponto de referência. Se a celebração for "Versus Populum" (com o sacerdote voltado para o povo), o Papa, no mesmo livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", dá a seguinte orientação a respeito da cruz:



"Ela deveria se encontrar-se no meio do altar, sendo o ponto de vista comum para o sacerdote e para a comunidade orante."



E completa, expondo o problema de se colocar a cruz na parte lateral do altar ou ao lado dele, ao invés de colocar no centro, nas Missas em Versus Populum:



"Considero as inovações mais absurdas das últimas décadas aquelas que põe de lado a cruz, a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote. Será que a cruz incomoda a Eucaristia? Será que o sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser corrigido o mais depressa possível , não sendo precisoas para isso nenhumas reconstruções. O Senhor é o ponto de referência."



Este modelo de ornamentação de altar para as Missas celebradas em Versus Populum, com a cruz no centro e os castiçais dos lados dela, quem é a forma como o Papa normalmente celebra em Roma, se convencionou chamar de "arranjo beneditino". A cruz, evidentemente, é voltada para o sacerdote, que é quem celebra o Santo Sacrifício da Missa.



Também Dom Guido Marini, Cerimoniário do Papa, na mesma conferência que citamos acim,a concorda, dizendo:



"Que não se diga, portanto, que a imagem de nosso Senhor crucificado obstrui a visão que os fiéis têm do sacerdote, porque eles não estão ali para olhar para o celebrante naquele ponto da liturgia! Eles estão ali para voltar seus olhares para o Senhor! Da mesma maneira, o presidente da celebração também deve ser capaz de se voltar na direção do Senhor. O crucifixo não obstrui nossa visão; em vez disso ele expande nosso horizonte para ver o mundo de Deus; o crucifixo nos leva a meditar no mistério; nos introduz no céu de onde vem a única luz capaz de dar sentido à vida nesta terra. Nossa visão, na verdade, estaria cega e obstruída se nossos olhos permanecessem fixos naquelas coisas que mostram apenas o homem e suas obras."



Um problema pastoral que ainda se cria é: nesse caso, com a cruz voltada para o sacerdote, o povo não terá a sua disposição um crucifixo para voltar o seu olhar durante a Missa?



Penso que a solução para Missas em Versus Populum seja haver dois crucifixos: um no altar ou junto dele, voltado para o sacerdote, e outro voltado para os fiéis (seja ou lado do altar ou na abside, neste caso, na parede do fundo ou mesmo em cima do Sacrário, se este estiver no centro).



A desvantagem é que neste caso haverá dois Crucifixos, o que é desnecessário perante as normas litúrgicas, e penso que enfraquece o simbolismo de Nosso Senhor ser um só. Mas são os prejuízos do Versus Populum.



A Instrução Geral do Missal Romano (n. 122) afirma:



"A cruz adornada com a imagem de Cristo crucificado e levada na procissão pode colocar-se junto do altar, para se tornar a cruz do altar, que deve ser apenas uma, ou então seja guardada".



Penso, porém, que NÃO se trata de desobediência litúrgica se um dos crucifixos (o do sacerdote) estiver sobre o altar ou bem próximo a ele, e o outro crucifixo (o dos fiéis) estiver mais afastado do altar (na parede do fundo, por exemplo). Neste caso, consideramos "cruz do altar" apenas a do sacerdote.



Como testemunho pessoal, posso dizer que tenho a graça de participar, muitas vezes, da Missa em Versus Deum.



E já participei da Missa em Versus Deum tanto em latim como em vernáculo (português) - pois o Versus Deum independe da língua utiliza na celebração; tanto na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI, como também na forma tradicional (Tridentina).



As primeiras que participei dessas celebrações foram muito emocionantes para mim, e participar delas me faz compreender MUITO melhor: o valor do Santo Sacrifício da Missa; PARA

QUEM é celebrada a Santa Missa (para Deus, embora nós nos beneficiemos de seus frutos, como já comentamos); em última instância, me fizeram compreender melhor o infinito amor de Nosso

Senhor Jesus Cristo e o amor da Santíssima Trindade, que atinge o seu ápice na Santa Missa.











































sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Faltou tempo para Gabi Chalita adestrar Dilma Rosneff para interpretar uma católica.

A foto na capa da Folha de São Paulo é antológica. Merece o Prêmio Esso de Jornalismo. Capta o exato momento em que 15.000 fiéis, no Santuário de Aparecida, fazem o sinal da cruz , enquanto uma atéia, na platéia, é a única que fica estática, pois nada sabe do ritual religioso. No momento seguinte, Gabi Chalita cutuca a candidata e refaz o sinal, para que ela o siga. Automaticamente, Dilma Rosneff, a cristã de palanque, imitaGabi Chalita. É isso que dá usar a boa fé das pessoas para mentir e enganar.

Lutemos Contra a Cultura de Morte Que Ronda Nosso País

Divulgue e assista estes vídeos
http://padrepauloricardo.org/blog/em-defesa-da-vida/
http://www.youtube.com/watch?v=xODQq5Fq-u4

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dom Aldo Pagotto contra a “cultura de morte”

“Não podemos nos calar!” Dom Aldo Pagotto denuncia Partido dos Trabalhadores (PT) e seu empenho na implementação da agenda internacional da cultura de morte.

Veja o vídeo abaixo e divulgue para o maior número de pessoas:




quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Na TV, Dilma falará em valorização da vida para driblar polêmica do aborto






"Reação. Dilma com Ciro Gomes em Brasília: ofensiva de aliados para impedir sangria de votos após polêmica sobrw aborto"


A estratégia traçada pelo comando da campanha de Dilma Rousseff (PT) para recuperar os votos perdidos após a polêmica sobre o aborto prevê um discurso de 'valorização da vida' por parte da candidata do PT à Presidência. O novo tom aparecerá na reestreia do programa de TV de Dilma como um antídoto contra o aborto.

'Eu considero muito importante afirmar que o meu projeto, que foca nas pessoas marginalizadas, é a favor da vida', afirmou Dilma, ontem. 'Eu sou e sempre fui a favor da vida. Se não fosse assim, não tinha colocado a minha vida em risco em determinado momento', emendou, numa referência à luta travada por ela contra a ditadura militar.

Ex-militante de organizações de extrema-esquerda, Dilma foi presa em 1970 e ficou três anos detida, em São Paulo. O tema foi tratado no primeiro programa de TV da candidata como uma espécie de escudo contra os previsíveis ataques à sua participação em grupos que pregavam a luta armada. Agora, ao repetir que é a favor da vida, Dilma também quer criar uma vacina no novo horário eleitoral, com reestreia prevista para sexta-feira.

Desde a última semana de campanha, no primeiro turno, a candidata do PT tem reiterado que é contra a legalização do aborto, na tentativa de estancar a sangria de votos entre cristãos. No último dia 29, ela se reuniu, em Brasília, com líderes católicos e evangélicos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a gravar um comercial dizendo que Dilma estava sendo vítima de mentiras vindas do 'submundo da política'. Agora, a estratégia consiste em tratar o assunto pelo lado da família.

'Nós não vamos ficar reféns de uma falsa polêmica, levantada de maneira pouco ética por nossos adversários e disseminada de forma insidiosa', disse o secretário-geral do PT, José Eduardo Martins Cardozo (SP), um dos coordenadores da campanha.

Depois de se reunir ontem com os governadores Eduardo Campos (Pernambuco), Marcelo Déda (Sergipe) e Cid Gomes (Ceará), todos reeleitos - além do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) -, Dilma seguiu o conselho dos aliados e destacou que vem 'de família católica'.

O capítulo 'família' também reaparecerá no programa de TV da candidata, na tentativa de amenizar sua imagem. Ao fazer uma conexão entre o projeto de erradicação da miséria com a valorização da vida, Dilma expressou, mais uma vez, sua felicidade com o nascimento do neto, Gabriel, batizado na última sexta-feira. Em várias reuniões ao longo dos dois últimos dias, com Lula e Dilma, governadores da base aliada também foram incumbidos de procurar bispos e padres para reverter a onda contrária a Dilma na Igreja Católica.

'Eu acho que é preciso esclarecer os segmentos religiosos que estão em dúvida', admitiu o governador Eduardo Campos, que porá em prática a estratégia, hoje, ao participar da posse de um bispo na cidade de Salgueiro (PE). 'Eu mesmo perdi votos entre evangélicos do Rio de Janeiro por estar apoiando Dilma', disse o senador eleito Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. 'É bom, agora, termos mais tempo para mostrar que Dilma é contra o aborto.'

Embora o 3.º Congresso do PT tenha aprovado, em agosto de 2007, resolução defendendo a descriminalização do aborto, o assunto nunca constou do programa de governo de Dilma. Em fevereiro, ao aprovar as 'diretrizes' da plataforma da candidata, o 4.º Congresso do PT incluiu o 'apoio incondicional' ao polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos. A terceira versão do documento indicava apoio ao projeto de lei que torna o aborto legal.

sábado, 2 de outubro de 2010

Preparação para o ministério presbiteral



Cardeal Joseph Ratzinger

Extraído de Um canto nuevo para el Señor: la fé em Jesucristo y la liturgia hoy, Salamanca, 20052, p. 187-204. Tradução de Paulo Sérgio Pedroso de Paula.

A idéia geral de reforma do Concílio Vaticano II incluía um projeto de formação reno-vada para o ministério presbiteral. Porém, os últimos anos da década de 60, nos quais tal pro-grama deveria ter sido colocado em prática, foram marcados, em todo o mundo ocidental, pela crise progressiva de seus fundamentos espirituais. Na visão do Concílio, a renovação deveria comportar continuidade e transformação, em igual medida; porém, no clima revolucionário daqueles anos, a mudança aparecia como uma esperança; tudo que estivesse ligado à tradição era considerado um peso, trava ou ameaça que era preciso eliminar de uma vez por todas. Assim, um momento da renovação se converteu rapidamente em crise. A pergunta era, então, se o seminário tinha ainda sentido; e seu objetivo de formação, o sacerdócio, era, a juízo de muitos, uma má leitura do Novo Testamento, uma recaída em algo antigo e anacrônico que se deveria superar. Enquanto isto, apareceram as primeiras inquietações; constata-se de novo que o ser humano só pode continuar a viver e se desenvolver se estiver dentro de uma estrutura: o crescimento só é possível onde existem raízes, e o novo conhecimento só pode amadurecer se o ser humano não perder a memória. A memória histórica, que é tema e objetivo dos jubileus, não se deve considerar como uma nostalgia romântica; é fecunda quando dá lugar à reflexão sobre o permanente e à busca do caminho para avançar.

1. A construção da casa espiritual: integração na família de Deus

Quando fui nomeado, no ano de 1977, arcebispo de Munique e Frisinga, vi-me imerso na situação de crise e de efervescência geral. O número de candidatos ao sacerdócio na arqui-diocese era pequeno; alojavam-se no Georgianum, que o duque George, o Rico, tinha fundado no ano de 1494 como seminário regional da Baviera, junto à universidade de Ingolstadt, mais tarde transferida para Munique. Tive certeza, desde o início que meu dever primordial era dotar novamente a diocese de um seminário próprio, ainda que muitos duvidassem que tal empreendimento tivesse sentido na nova Igreja. Pouco antes de deixar novamente minha dio-cese de origem, na festa de seu patrono, São Corbiniano – em 20 de novembro de 1981 – tive a alegria de lançar a pedra fundamental, num dia de chuva torrencial, para o edifício que hoje se alça majestoso, e iniciar, assim, de forma irreversível, algo que deveria ter continuidade.

Quando refleti sobre a frase que deveria ser gravada na pedra fundamental, vieram-me à memória os maravilhosos versículos da Primeira Carta de Pedro, que aplica o título de «Is-rael» ao povo dos batizados: «Também vós, como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais, aceitos por Deus pela mediação de Jesus Cristo» (1Pd 2,5). Provavelmente estes versículos são parte de uma catequese batismal da época neotestamentária. Aplicam a teologia da aliança e da elei-ção, que no Antigo Testamento interpretou o acontecimento do Sinai, à nova comunidade de Jesus Cristo. Neste sentido, o texto expõe singelamente o que significa ser um batizado e co-mo a Igreja cresce neste mundo como casa viva de Deus. Assim, que poderia ocorrer de mais elevado e melhor para um seminário do que o fenômeno de alguns jovens que se unem ao

1 Este texto, originalmente, é uma conferência proferida na comemoração do 400º aniversário do Seminário de Wurtzburgo; isto explica a referência inicial ao significado dos jubileus.

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ideal do batismo e do discipulado, e se convertem em Igreja viva? Pareceu-me que essa exor-tação de São Pedro aos batizados dizia tudo o que é essencial a respeito de um seminário e que podia ser considerada uma sentença programática, como fundamento da casa.

Para que existe um seminário? Como deve ser hoje a formação sacerdotal? Encontra-mos no texto bíblico, primeiramente, a frase sobre a construção de uma casa espiritual com-posta de pedras vivas. «Casa» significa, no sentido bíblico, não tanto o edifício de pedra, mas a linhagem, a família – um uso lingüístico que persiste quando falamos de casa dos Wittelsba-ch, casa dos Habsburgo, etc –2. Os batizados, de pessoas desconhecidas entre si, passam a ser uma família, a família de Deus. Esta mudança deve se realizar concretamente no seminário, para que logo o futuro sacerdote, em sua paróquia ou onde quer que esteja, seja capaz de reu-nir as pessoas na família, na comunidade doméstica de Deus. O texto fala de casa «espiritual». Este adjetivo não significa, como sugere nossa sensibilidade lingüística, uma casa em sentido meramente figurado e, portanto, impróprio e irreal. «Espiritual» faz referência aqui ao «Espí-rito Santo», isto é, à força criadora, sem a qual não existiria nada. Uma casa espiritual, edifi-cada pelo Espírito Santo, é, portanto, a casa verdadeiramente real. O vínculo que procede do Espírito Santo é mais profundo, é mais forte e mais vivo que o mero parentesco de sangue. As pessoas que se reúnem em virtude do toque comum do Espírito Santo se acham mais próxi-mas entre si do que qualquer outro parentesco pode conseguir. O evangelho de João fala a este propósito daqueles que crêem no nome do Logos e adquirem assim uma nova genealogia, daqueles «que não nasceram do sangue, nem do desejo da carne, nem do desejo do homem, mas de Deus» (1,13). Estabelece-se, assim, o vínculo do amor com aquele que não foi engen-drado por vontade carnal, mas sim pela força do Espírito Santo: Jesus Cristo. Convertemo-nos em «casa espiritual» quando somos comunidade familiar com Jesus Cristo. Isto dá essa sinto-nia interna, essa imagem nova e esse novo fundamento vital que é mais forte do que todas as diferenças naturais e faz crescer o verdadeiro parentesco interior. O seminário está sempre em construção, como a Igreja e como cada família. Vai se formando constantemente na medida em que as pessoas deixam que Jesus Cristo construa, com elas, a casa viva.

Podemos afirmar que a missão essencial de um seminário é oferecer um espaço onde se possa realizar incessantemente esta construção espiritual. Sua missão é ser um lugar de encontro com Jesus Cristo, que integre as pessoas em Jesus de tal modo que possam chegar a ser sua voz para os homens e para o mundo de hoje. Esta afirmação básica se torna mais con-creta quando recorremos novamente ao texto citado. A meta é a casa; o material são as pe-dras... pedras vivas, pois se trata de construir uma casa viva. Por isso, o versículo fala de cons-trução na forma passiva: como pedras vivas, fazei parte da construção de um edifício espiritu-al. O ativismo nos leva a entender estas palavras num sentido ativo: construir o reino de Deus, construir a Igreja, construir uma nova sociedade, etc. O novo testamento vê nosso papel de outro modo. O construtor é Deus, juntamente com o Espírito Santo. Nós somos pedras; para nós, a construção consiste em ser construídos. O antigo hino litúrgico para a consagração do templo descreve plasticamente o processo, falando de golpes saudáveis de cinzel, trabalho minucioso do mestre com o martelo e de enlaces ajustados, até que os blocos de pedra passam a ser o grande edifício da nova Jerusalém. Tocamos aqui em algo muito importante: construir é ser construído. Se queremos ser casa, devemos – cada um deve – aceitar ser trabalhados por outro. Se queremos ser material apto para a casa, devemos nos deixar ajustar ao posto para o qual querem nos utilizar. Aquele que quiser ser pedra no conjunto e para o conjunto, deve deixar-se vincular à totalidade. Não pode simplesmente fazer ou omitir as coisas segundo seu critério. Deve aceitar ser cingido e conduzido por outro para onde não quer ir (cf. Jo 21,18). O Evangelho de João nos oferece outro exemplo semelhante: a videira, para produzir fruto, deve

2 Cf. O. Michel, oikos ktl., em ThWNT V, 122-161, especialmente 113s; H. A. Hoffner, bajit, em Wörterbuch zum AT I, 629-638; M. Wodke, Oikon in der Septuaginta. Erse Grundlagen, em O. Rössler (ed.), Hebraica, Berlim, 1977, 59-140, especialmente 60ss.

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ser limpa; deve se deixar podar. O caminho para produzir mais fruto passa pela dor da purifi-cação (Jo 15,2).

Como primeira conclusão destas considerações podemos afirmar que a preparação sa-cerdotal deve oferecer algo mais que a educação e a formação humana. O candidato deve co-meçar aprendendo as virtudes sem as quais nenhuma família pode se manter unida. Isto é de grande importância, porque o sacerdote não deve se capacitar somente para conviver na famí-lia do presbiterato, da Igreja local e universal; sua tarefa é, ademais, associar e manter unidos, na comunhão da fé, indivíduos que são estranhos por origem, formação, temperamento e cir-cunstâncias da vida. Deve incentivar nas pessoas a capacidade para a reconciliação, o perdão e o esquecimento, a tolerância e a generosidade. Deve ensinar-lhes o respeito pelo outro em sua alteridade, a paciência recíproca, a combinação da confiança, da discrição e da sincerida-de em sua justa medida, e muitas outras coisas. Deve se capacitar, sobretudo, para auxiliar às pessoas na dor: dor física, decepções, humilhações e angústias que a ninguém poupam. Como fazer tudo isto, se antes não se aprendeu pessoalmente? A capacidade de aceitar e suportar o sofrimento é uma condição fundamental para a maturidade do ser humano; se não se aprende isto, o fracasso da existência é inevitável. A acidez contra todos e contra tudo contamina o fundo da alma e o converte numa terra deserta. O domínio da dor... antigamente falava-se de ascesis; o termo não é agradável hoje; diz-nos mais se o traduzirmos do grego para o inglês: training. Todos sabem que não existe êxito sem treinamento e sem essa superação de si mes-mo que o treinamento traz consigo. Hoje se treina em todo o mundo com empenho e seriedade para qualquer gênero de arte, e assim vemos em muitos campos alguns resultados que antes eram impensáveis. Por que nos parece tão estranho treinarmos para a vida autêntica e verda-deira, exercitar-nos na arte da renúncia, da auto-superação, da liberdade interior diante de nossos desejos?

2. A paixão pela verdade

Do muito que se poderia dizer sobre este tema, vou destacar somente um ponto: a edu-cação para a verdade. Muitas vezes, a verdade resulta incômoda para o homem, porém é o guia mais poderoso para o desprendimento, para a verdadeira liberdade. Tomemos o exemplo de Pilatos. Ele sabe exatamente que aquele Jesus acusado é inocente, e que deve absolvê-lo para fazer uma justiça verdadeira. Quer fazê-lo; porém, esta verdade aparece em conflito com seu cargo; pode acarretar-lhe desgostos ou, inclusive, custar-lhe a perda de sua posição. Po-dem surgir distúrbios, e ele pode causar uma má impressão ao imperador, etc. Prefere sacrifi-car a verdade, que não grita nem se defende, mesmo que a traição deixe em sua alma um vago sentimento de fracasso. Esta situação se repete sempre na história. Recordemos um exemplo que é o oposto desse: Tomás More. Parecia óbvio reconhecer ao rei a supremacia sobre a Igre-ja. Não havia um dogma explícito que o excluísse de modo inequívoco. Todos os bispos o haviam feito; por que exporia sua vida, ele, um leigo, e precipitar a sua família na ruína? Se não queria pensar em si mesmo, não deveria, ao menos, ponderar os motivos, dar ao menos a prioridade aos seus, em lugar de seguir obstinadamente à voz de sua consciência? Em tais casos fica patente em nível macroscópico, por assim dizer, o que ocorre constantemente no cotidiano de nossa vida. Posso livrar-me de um assunto incômodo fazendo uma pequena con-cessão para a mentira. Ou o inverso: aceitar que as conseqüências da verdade me acarretem um tremendo desgosto. Quantas vezes isso ocorre! E quantas vezes cedemos! A situação em que se encontrou Tomás More é comum se a traduzimos ao cotidiano: são muitos que dizem: como não? Como vou perturbar a paz do grupo? Por que vou me colocar a fazer o ridículo? Não está a paz da comunidade acima da minha verdade? A harmonia do grupo se converte assim em tirania contra a verdade. Georges Bernanos, obcecado pelo mistério da vocação sa-cerdotal e pelas tragédias de seu fracasso, expôs dramaticamente este perigo na figura do bis-

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po Espelette. O prestigiado bispo é professor acadêmico; culto e amável, sabe dizer a palavra certa na hora certa, exatamente aquilo que o mundo culto espera de um bispo: «A cordialidade deste sacerdote engenhoso não decepciona a ninguém, exceto ele mesmo. Sua covardia inte-lectual é imensa... Ninguém é tão desprezível como alguém que só vive para ser querido. Es-tas almas tão hábeis para comportar-se ao gosto de cada um, são mero espelho...». Bernanos avança em sua análise até chegar à causa deste fracasso: «‘Eu pertenço a meu tempo’, repete com semblante de alguém que testemunha a seu favor... Porém, nunca adverte que desse mo-do está renegando o sinal eterno com o qual foi marcado»3.

Eu não duvido em afirmar que a grande enfermidade de nosso tempo é o seu déficit de verdade. O êxito e o resultado tiraram a sua primazia em todas as partes. A renúncia à verdade e a fuga vazia para a conformidade de grupo não são um caminho para a paz. Este gênero de comunidade está construído sobre a areia. A dor da verdade é o pressuposto para a verdadeira comunidade. Esta dor deve se aceitar dia-a-dia. Somente na pequena paciência da verdade amadurecemos por dentro, fazemo-nos livres para nós mesmos e para Deus.

Aqui aflora novamente a imagem das pedras vivas. Pedro ilustra o conteúdo da ima-gem com as palavras do Sl 118,22, que era um texto cristológico fundamental: «A pedra que os pedreiro, tornou-se agora a pedra angular». Não vamos entrar aqui na teologia da morte e da ressurreição que encerra este versículo; porém, a idéia da pedra viva nos levou a reconhe-cer que o construir inclui o construído, que sem o elemento passivo não se pode produzir a paixão purificadora. Bernanos definiu a dor como a essência do coração divino, e o sofrimen-to corporal e espiritual como o mais valioso que o Senhor nos impõe4. A pedra rejeitada é a imagem daquele que assumiu a dor mortal do amor supremo e chegou a ser o espaço para todos nós: a pedra angular que faz da humanidade desgarrada uma casa vivente, uma família nova. No seminário, na formação sacerdotal, não integramos um grupo qualquer. Fazendo isso, corremos o perigo de que a paixão do ajuste consista na mera acomodação ao grupo e sacrifiquemos a nossa verdade. Não construímos com acerto a um paradigma autofabricado. Deixamo-nos construir por aquele que é o paradigma e meta de todos nós, pelo segundo A-dão, ao que Paulo chama Espírito da vida (1Cor 15,45). Este plano construtivo justifica o es-forço das purificações e nos garante que são purificações e não destruições. Nesta construção crescemos internamente, dispostos a assimilar «tudo o que seja verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honrável, tudo o que seja virtude e coisa digna de elogio» (Fl 4,8). A verdade nos faz idôneos para tal construção.

Quando se alcança esta meta, o seminário chega a ser um lar. Sem este processo co-mum, é uma série de habitações em uma residência de estudantes cujos moradores permane-cem fechados em si mesmos. É exatamente a prontidão de ânimo para a purificação que ga-rante o bom humor e a alegria desta casa. Se não existe tal disposição, a crítica e o tédio com tudo e consigo mesmo criam um ambiente no qual os dias são cinzentos e a alegria não se propaga porque falta o sol necessário para o crescimento.

3. Casa e templo: serviço à Palavra encarnada

Estas reflexões nos introduzem numa segunda parte na qual, deixando de lado a for-mação essencial do homem e do cristão, podemos tocar no tema da preparação para o ministé-rio sacerdotal. O ponto de partida nos é oferecido, uma vez mais, pelo texto da casa espiritual feita de pedras vivas. É a casa que Deus constrói para si no mundo e que, por nosso lado, construímos para ele: a «casa de Deus». Toda a teologia do templo está recolhida neste texto. O templo é o lugar da morada de Deus, espaço de sua presença neste mundo. Por isso é o lu-gar da reunião onde se realiza constantemente a aliança. É o ponto de encontro de Deus com o

3 G. Bernanos, L’imposture (Bibliothèque de la Plêiade 1961), 387-388.

4 Ibid., 352.

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seu povo, que encontrando Deus também se encontra consigo mesmo. É o lugar em que res-soa a Palavra de Deus, onde o código de seus preceitos adquire raízes e se torna visível a to-dos. É, finalmente, o lugar da glória de Deus. Esta glória de Deus brilha na pureza intacta de sua Palavra; porém, aparece também na beleza festiva do culto. A glória se manifesta na glori-ficação, que é resposta ao chamado de sua Palavra, uma resposta sintética e antecipada que deve continuar na vida real, que deve ser reflexo de sua glória. A ruptura do véu do templo na morte de Jesus significa que o templo deixou de ser lugar do encontro com Deus e o homem neste mundo. Desde o instante da morte de Jesus, seu corpo entregue por nós é o novo e ver-dadeiro templo; a destruição física do templo de pedra no ano 70 não faz mais que tornar visí-vel o que ocorreu com a morte de Jesus5. Assim, encontra a frase do salmo seu pleno cum-primento: «Sacrifício e oblação não quisestes; porém me formaste um corpo» (Sl 40,7; Hb 10,5). O culto adquiriu assim sua nova e definitiva significação: glorificamos a Deus fazendo-nos um só corpo com Jesus, isto é, numa nova existência espiritual, na qual ele nos envolve totalmente, com corpo e vida (1Cor 6,17). Glorificamos a Deus deixando-nos integrar neste ato de amor que se cumpriu na cruz. Glorificação e aliança, culto e vida são inseparáveis entre si. Esta hora de Jesus, que durará até o fim dos tempos, consiste no fato de que ele nos atrai para si a partir da cruz (Jo 12,32) para que sejamos «um» com ele (Gl 3,28).

Em nossa páscoa, passagem pela qual saímos de nós mesmos e entramos no âmbito do corpo de Cristo, celebramos constantemente o novo culto. Nele, continuam vigentes os ele-mentos essenciais que definem o culto do Antigo Testamento, mas que, só agora, adquirem eu pleno sentido. Dissemos que o «templo» é primordialmente um lugar para a Palavra de Deus. Por isso o presbiterato, que está a serviço da Palavra humanada, deve tornar presente a Pala-vra de Deus em sua pureza não falseada e em sua permanente atualidade. É fundamental que o sacerdote do Novo Testamento não exponha uma filosofia de vida pessoal, que ele tenha idea-lizado ou lido, mas a Palavra que nos foi confiada e que não podemos adulterar, como Paulo recorda de forma incisiva e literal na Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 2,17). Estamos aqui diante de uma exigência desafiadora que deve ser enfrentada por todo sacerdote; uma tal exi-gência nos faz ver a grandeza e a amplitude de tudo o que está em jogo na formação e na pre-paração para o sacerdócio. Como sacerdote, não posso oferecer minhas idéias privadas; sou enviado de um outro, e é isso que dá relevância à minha mensagem: «Somos mensageiros de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós. Em nome de Cristo vos suplicamos: reconci-liai-vos com Deus!» (2Cor 5,20). Esta sentença de Paulo é a definição exata da forma básica e da missão fundamental do sacerdote na Igreja da nova Aliança. Tenho que proclamar a pala-vra de outro e isto significa que devo conhecê-la, entendê-la e me apropriar dela.

Porém, este anúncio requer algo mais do que a atitude de um mensageiro telegráfico que transmite fielmente palavras alheias sem ser em nada afetado. Devo transmitir a palavra do Outro em primeira pessoa, pessoalmente, e ajustar-me a ela de forma que seja palavra mi-nha. Porque esta mensagem não requer um telegrafista, mas uma testemunha. O normal é que o ser humano forme para si uma idéia e logo busque palavras adequadas; porém, aqui aconte-ce o inverso: a Palavra lhe precede. Ele se põe à disposição da Palavra e se remete a ela. Este processo de conhecimento, compreensão e reflexão, de adaptação a esta Palavra é a essência da formação sacerdotal. O Padre Kolvenbach, em seu livro Exercícios, define esta subordina-ção do próprio conhecimento à doutrina da Igreja como um «sacrificium intellectus», e conti-nua: «Este ‘sacrificium’ imprime em toda a atividade espiritual... o selo de uma oblação em sentido próprio, um selo sacerdotal...A capacidade... de anunciar não se orienta... primeira-mente ao saber, mas à integração pessoal do sacerdote dentro corpo de Cristo e à integração de nossa compreensão na Palavra de Deus comunicada. Como para os levitas, os profetas e os apóstolos, também para os anunciadores da Palavra de Deus, o processo de aprendizagem –

5 Cf. W. Trilling, Christusverkündigung in den synoptischen Evangelien, Munique 1968, 201; J. Gnilka, Das Matthäusevangelium II, Friburgo 1988, 476.

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que nunca termina – consiste em ceder o primeiro lugar à glória de Deus... Um sacerdote deve se consagrar sem restrições à palavra de Deus»6. O Padre Kolvenbach explica a partir disso a misteriosa fórmula paulina de que devemos nos «revestir de Cristo»: revestir-se de Cristo consiste neste processo de identificação com a Palavra da fé, para que seja algo nosso por nos termos ajustado a ela.

Isto significa, na prática, que a dimensão intelectual e a espiritual são inseparáveis nos estudos teológicos. O fato de que exista no mundo uma Palavra de Deus acessível a nós, algo que Deus nos disse e nos diz, é a realidade mais impressionante que se pode pensar; porém, estamos embotados pelo hábito para perceber o prodígio desta comunicação. Há pouco me recordei de uma pequena anedota que Helmut Thielicke7 relata em suas memórias. Dois estu-dantes de filologia, que nunca tinham recebido ensinamento religioso, assistiram a um de seus sermões, na famosa igreja evangélica de São Miguel, em Hamburgo (Hamburger Michel). O que mais lhes impressionou foi o Pai-nosso recitado no final, cujo texto desconheciam. Como lhes pareceu que a todos era familiar, não se atreveram a perguntar e procuraram se informar por conta. Fracassaram na sua tentativa de encontrá-lo na biblioteca estatal. Tampouco pude-ram achar o texto na faculdade teológica. A coisa estava se fazendo mais enigmática até que no domingo, durante a celebração matinal transmitida por rádio, anotaram o Pai-nosso recita-do em comum. «Assim colocamos o pai-nosso no bolso», foi o final do relato dos dois estu-dantes a Thielicke sobre a grande e árdua viagem de descoberta da oração do Senhor, que desembocou na conversão deles à Igreja católica8. Repete-se, aqui, em nosso tempo, o fenô-meno da fé dos pagãos que fez o Senhor proclamar: «Asseguro-vos que em nenhum israelita encontrei tanta fé» (Mt 8,10). Conhecer a aventura da proximidade da Palavra de Deus em toda a sua entusiasmante beleza e nela mergulhar com todas as forças, pertence à essência da vocação sacerdotal. Por isso, nenhum esforço pode parecer-nos excessivo para o conhecimen-to da Palavra de Deus. Se vale a pena aprender italiano para entender a Dante em seu original, é muito mais óbvio que se deva aprender a ler a Escritura na língua original. Todo o rigor dos estudos históricos serve obviamente para nos introduzir, cada vez mais, na Palavra de Deus. A disciplina racional, a disciplina do trabalho metodológico, é uma peça irrenunciável do cami-nho para o sacerdócio. Alguém que ama, quer conhecer; deseja saber mais e mais sobre a pes-soa que ama. Assim, o afã de conhecer é uma tendência interna do amor. Além disto, a disci-plina metódica que obriga as pessoas a se despojarem constantemente de suas idéias preferi-das, para se adaptar aos dados reais, é um modo insubstituível de educação para a verdade e a veracidade. Trata-se de uma parte essencial do desprendimento do testemunho que não se apregoa a si mesmo, mas que está a serviço de algo que é maior do que ele. Uma espirituali-dade que queira deixar isto de lado, converte-se em fanatismo. A edificação sem verdade é uma espécie de auto-satisfação espiritual que não nos podemos permitir.

O esforço cuidadoso e disciplinado de entender a Sagrada Escritura é o fundamento da educação para o sacerdócio. Porém, está claro que não é suficiente uma leitura puramente histórica da Bíblia. Não a lemos como palavra humana do passado; lemo-la como Palavra de Deus, que ele faz chegar a todos os tempos, através de pessoas de um tempo passado, como palavra sempre presente. Situar a Palavra no passado significa negar a Bíblia como Bíblia. Esta exegese puramente histórica, orientada ao passado, leva, através de sua lógica interna, à negação do cânon e, conseqüentemente, ao questionamento da Bíblia como tal. Aceitar o câ-non significa sempre ler a Palavra para além do mero instante em que foi pronunciada, isto é, perceber nos autores o povo de Deus como suporte e autor permanente. Porém, dado que ne-nhum povo é povo de Deus por iniciativa própria, a aceitação deste sujeito significa reconhe-

6 P. H. Kolvenbach, Der Österliche Weg. Exerzitien zur Lebenserneuerung, Friburgo 1989, 24.

7 Teólogo e pregador evangélico alemão (1908-1986) que durante a Segunda Guerra, resistiu à ideologia nazista. Foi reitor das Universidades de Tubinga e de Hamburgo (N. do T.).

8 H. Thielicke, Zu Gast auf einem schönen Stern. Erinnerungen, Hamburgo, 1984, 307s.

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cer, nele e através dele, a Deus como verdadeiro inspirador de seus caminhos e de sua memó-ria plasmada na Escritura. Colocando-se nesta perspectiva, a exegese se converte em exegese bíblica e em teologia; esta nasce quando existe uma Igreja que é o sujeito comum, e sem este sujeito não existe9. Quando a teologia o abandona, converte-se em filosofia da religião: o con-junto de disciplinas teológicas se desagrega em uma justaposição de ciências históricas, filo-sóficas e praxiológicas, como o cânon se desagrega quando não existe um sujeito permanente, o único que pode dar crédito a ele como cânon. Se a presença interior deste sujeito – a Igreja – se debilita nas almas, é inevitável o processo desagregador: a dissolução do cânon e a dissolu-ção da teologia em uma série de especialidades apenas ligadas entre si. Tal é a grande tenta-ção de nossa época, onde o sentido do mistério da Igreja se extingue quase que totalmente e a grande Igreja aparece como uma organização capaz de coordenar os temas religiosos, porém, ela mesma não entra na religião, que se desenvolve no âmbito afetivo da comunidade. Por isso, a vivência e a aceitação da Igreja se tornam parte substancial da preparação para o pres-biterato. Se nesta época a Igreja não «desperta nas almas», no final tudo é subjetivo. A fé de-genera em uma eleição privada daquilo que me parece mais atualizável; não se produz o des-prendimento de mim mesmo e a transferência para a Palavra do Outro. A Palavra é então, rebaixada à minha palavra: eu não me integro no Corpo de Cristo, mas permaneço em mim mesmo.

Isto significa que, por causa de sua própria natureza, o presbiterato exige uma prepara-ção global e científica ampla. A religião do Logos é essencialmente uma religião racional. Ela inclui a dimensão filosófica e histórica, e assume como referência a prática; porém, tudo isto só pode convergir a partir de um fundamento teológico e, sem a realidade da Igreja, tal fun-damento não pode subsistir. Hoje, na era da especialização progressiva, creio que a busca da unidade interna da teologia e a sua concentração em um núcleo passaram a ser uma prioridade urgente. A teologia deve ser sem dúvida multifacetada, porém também é capaz de distinguir entre o saber particular e o saber fundamental; e deve, sobre todas as coisas, transmitir uma visão orgânica do conjunto no qual se integra o essencial. Se, ao término dos estudos especia-lizados de nível superior, tivéssemos apenas um amontoado de conhecimentos especializados, mas sem conexão entre si, tais estudos não teriam cumprido seu objetivo. Somente a totalida-de permite conhecer os critérios que são imprescindíveis para o necessário discernimento dos espíritos, para a autonomia espiritual do anunciador. Se não aprende a julgar a partir do todo, cai exposto, indefeso, ao vaivém dos modismos.

Isto me leva a outro ponto. Sempre me fez pensar o fato de que a oração do Cânon Romano, na qual os sacerdotes pedem por si mesmo, utilize a palavra «pecador»: «nobis quo-que peccatoribus». O apelativo oficial que se aplicam os clérigos na presença de Deus deixa de lado a dignidade e vai ao núcleo: somos «servos pecadores»10. Não creio que isso possa ser interpretado como uma simples concessão à humildade. Expressa a mesma consciência que fez Isaías proclamar diante da teofania: «Ai de mim, estou perdido! Sou homem de lábios impuros... e vi com meus olhos ao Rei e Senhor dos exércitos» (6,5); a mesma consciência que deixa Pedro surpreso ante a pesca milagrosa e o faz exclamar: «Afasta-te de mim, Senhor, que sou um pecador!» (Lc 5,8); a mesma consciência que ressoa na liturgia quando o bispo exorta aos candidatos: «Com grande temor deve-se subir a esta altura...». É perigoso acostu-mar-se a estar próximo do sagrado com freqüência. Isto desemboca facilmente no corriqueiro e no habitual e, por conseqüência, no prejudicial. As duras palavras de Jesus dirigidas aos fariseus e sacerdotes têm como fundamento uma conjuntura psicológica e sociológica que está

9 Cf. J. Ratzinger, Schriftauslegung im Widerstreit, Friburgo, 1989, especialmente 7-44; sobre a questão da Igreja como «sujeito» da teologia posso remeter ao trabalho «Teologia e Igreja» de meu livro Wesen und Auftrag der Theologie, Einsiedeln, 1993, 39-62.

10 Cf. J. A. Jungmann, Missarum sollemnia II, Friburgo 1952, 311; Th. Schnitzler, Meditaciones sobre la misa, Barcelona, 1960, 120s.

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sempre presente: o hábito nos torna insensíveis. Recordemos o exemplo dos dois estudantes e sua busca pelo Pai-nosso. Ali vê-se um reflexo do interesse dos pagãos e de nossa própria cegueira. Por isso a Igreja considerou no passado que não se poderia estudar teologia como uma simples profissão, para garantir com ela o próprio sustento. Se assim fosse, poder-se-ia tratar a Palavra de Deus como algo que nos pertence, mas não é assim. Moisés teve que tirar as sandálias diante da sarça ardente. Poderíamos dizê-lo de outro modo: aquele que se expõe ao fogo radiativo da palavra de Deus e o maneja profissionalmente, deve prevenir-se contra sua proximidade; do contrário sofrerá queimaduras. A realidade deste perigo é anunciada pelo fato de que todas as grandes crises da Igreja são acompanhadas por uma decadência do clero; um clero para o qual o relacionamento com o sagrado já não seja o mistério surpreendente e perigoso da proximidade abrasadora do Santíssimo, mas uma maneira cômoda de se assegurar o sustento. É necessário que se previna o risco de lidar com o mistério de Deus como um fun-cionário irreverente. É isto que se encontra expresso na ordem dada a Moisés de tirar as san-dálias; as sandálias, feitas de couro, da pele de animais mortos, era a expressão do morto, e Moisés devia se desfazer do morto para poder estar próximo daquele que é a vida. O morto... é o excesso de coisas mortas, as posses com as quais se rodeia uma pessoa. O morto abarca também aquelas atitudes que se transformam em obstáculos no caminho pascal: somente a-quele que perde a si mesmo, se salva. O sacerdócio requer um abandono da existência burgue-sa, deve assumir a autoperda de um modo estrutural. O fato de o sacerdócio e o celibato esta-rem unidos procede desta verdade: o celibato é a antítese da vida normal. Aquele que o assu-me desde dentro, não pode considerar o presbiterato como uma profissão entre as outras, mas deve afirmar a renúncia ao próprio projeto vital, deixar-se cingir e guiar pelo outro por onde não queria ir. Antes de tomar essa decisão, é preciso ouvir e meditar a palavra do Senhor: «Se alguém de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminá-la?» (Lc 14,28). Ninguém pode ir para o sacerdócio por inici-ativa própria, como seu modo de vida. O exame cuidadoso para saber se com o sacerdócio estou respondendo ao chamado do Senhor ou se somente busco realizar a mim mesmo, é uma condição fundamental. E em todo o trajeto está a condição de manter vivo o contato com o Senhor. Porque se afastamos os nossos olhos dele, pode ser que nos aconteça o mesmo que a Pedro, quando saiu ao encontro de Jesus sobre as águas: somente a visão do Senhor pode re-sistir à força da gravidade, e pode fazê-lo realmente. Sempre somos pecadores; porém, se ele nos sustenta, as águas do abismo perdem o seu poder.

Queria voltar, neste propósito ao «nobis quoque», a oração sacerdotal do Cânon Ro-mano. Ela invoca, em favor do sacerdote, os guias e intercessores, começando por João Batis-ta; e, logo em seguida, catorze santos; sete varões, todos mártires, e sete santas mulheres e virgens. Representam as diversas áreas geográficas da Igreja e as diferentes vocações nela existentes: todo o povo santo de Deus11. O sacerdote está apoiado pelos santos e por toda a comunidade vivente dos fiéis. Parece-me especialmente significativo que o Cânon Romano mencione os nomes das santas mulheres justamente na oração pelos sacerdotes. O celibato sacerdotal nada tem a ver com a misoginia; tampouco significa uma ruptura de vínculos com a mulher. A maturação interna de um sacerdote depende essencialmente de que encontre a rela-ção correta com as mulheres; necessita ser apoiado por mães, virgens, profissionais e viúvas que aceitem sua missão especial e o acompanhem nela com bondade e solicitude feminina, desinteressada e pura.

4. Palavra e sacramento: o lugar do culto

11 Cf. Th. Schnitzler, Meditaciones sobre la missa, 122.

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Nossas reflexões se movem sempre na idéia de que nossa vocação é a de fazer parte de um templo vivo. O templo inclui o culto divino, o sacrifício; assim nos diz a Primeira Carta de Pedro. Como cristãos, cremos na Palavra encarnada. Por isso, o serviço sacerdotal deve alcançar algo mais que a pregação, mais que uma exposição da Bíblia. Aquilo que se fez visí-vel na palavra, passou para os sacramentos, diz São Leão Magno12. A palavra de fé é essenci-almente palavra sacramental. Daqui que a formação para o sacerdócio deva ser uma prepara-ção para o serviço dos sacramentos, para a liturgia sacramental da Igreja. Não vou expor ago-ra por meio de grandes considerações o que isto significa, já que o que disse anteriormente já estava pensado a partir de uma ótica sacramental. Uma coisa é certa: a eucaristia diária deve ser o núcleo da preparação sacerdotal. A capela deve constituir o centro do seminário, e a proximidade eucarística deve continuar e se aprofundar na adoração pessoal diante do Senhor presente. O sacramento da penitência deve ser sempre a brasa acesa da purificação, que o pro-feta Isaías menciona no relato de sua vocação (6,6); deve ser a força de reconciliação que nos alivia de todas as tensões e, guiados pelo Senhor, nos leva à união.

A liturgia comporta o silêncio e a celebração festiva. Dos meus anos de seminário, os momentos da missa matinal com seu frescor e pureza não contaminados, juntamente com as grandes celebrações cheias de esplendor festivo, são as mais belas recordações que guardo. A liturgia é bela precisamente porque nós não somos seus agentes, mas participamos em algo que é maior, que nos envolve e incorpora. Farei nova referência ao Cânon da Missa romana: o «communicantes» menciona os nomes de vinte e quatro santos em correspondência com os vinte e quatro anciãos que, segundo o quadro do Apocalipse, rodeiam o trono de Deus na li-turgia do céu13. Toda liturgia é liturgia cósmica, um sair de nossos humildes agrupamentos para a grande comunidade que abraça céu e terra. Isto lhe dá amplitude, grande dimensão; isto faz de cada liturgia uma festa; enriquece nosso silêncio e nos convida a buscar essa obediên-cia criativa que nos capacita para tomarmos parte no coro da eternidade.

O culto está relacionado com a cultura; isto é algo que salta aos olhos. A cultura sem culto perde sua alma, e o culto sem cultura ignora sua própria dignidade. Se a formação sa-cerdotal é substancialmente, em seu núcleo, formação litúrgica, um seminário deve ser tam-bém uma casa ampla de formação cultural. A música, a literatura, a arte figurativa, o amor à natureza, tudo está presente, tudo isto lhe pertence. Os talentos são diversos, e o bonito é que, no seminário, muitos e diferentes talentos podem se complementar. Ninguém pode tudo, po-rém ninguém pode se voltar para a vulgaridade. A liturgia é o contato com a própria beleza, com o amor eterno. Dela deve irradiar a alegria para a casa, nela pode se transformar e se su-perar o peso do dia. Quando a liturgia é o centro da vida, achamo-nos no âmbito da exortação paulina: «Alegrai-vos sempre; repito-vos, alegrai-vos. O Senhor está próximo» (Fl 4,4). A partir do ponto central que é a liturgia, somente a partir dele, se compreende que Paulo defina o apóstolo, o sacerdote da nova aliança, como «cooperador na vossa alegria» (2Cor 1,24).

Na época de minha juventude encontrávamos, ainda que ocasionalmente, no mundo rural, a crença de que a preparação para o sacerdócio consistia, sobretudo, em aprender a dizer a Missa. Alguém achava estranho que esta crença perdurasse tanto tempo, ainda mais sabendo que, para dizer a missa, era necessário aprender latim, algo nada simples. Na realidade, cabe afirmar efetivamente que, no fim das contas, a preparação para o sacerdócio consiste em a-prender a celebrar a eucaristia. Porém, cabe afirmar também, inversamente, que a eucaristia existe para nos ensinar a viver. A escola da eucaristia é a escola da vida justa; conduz-nos ao ensinamento daquele que pode dizer com exclusividade: eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). O tremendo ministério da eucaristia consiste no fato de que o sacerdote pode falar com o eu de Cristo. Fazer-se sacerdote e sê-lo continua sendo uma aproximação desta identi-

12 Sermo 2 de Ascenzione, 2 PL 54, 398.

13 Th. Schnitzler, Meditaciones sobre la Misa, 96-97; sobre a esencia da liturgia, J. Corbon, Liturgie aus dem Urquell, Einsiedeln, 1981.

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ficação. Nunca conseguiremos alcançá-la; porém, se a buscamos, estamos no bom caminho: o caminho que leva a Deus e ao homem, o caminho do amor. É com esta medida que devemos sempre medir o caminho para o sacerdócio.