segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Piedade e fidelidade: desabafo a alguns sacerdotes

"Coerentemente com o que prometeram no rito da sagrada Ordenação e cada ano renovam dentro da Missa Crismal, os presbíteros presidam, «com piedade e fidelidade, a celebração dos mistérios de Cristo, especialmente o Sacrifício da Eucaristia e o sacramento da reconciliação». Não esvaziem o próprio ministério de seu significado profundo, deformando de maneira arbitrária a celebração litúrgica, seja com mudanças, com mutilações ou com acréscimos. (Instrução Redemptionis Sacramentum, 31)

Não é o Salvem a Liturgia quem diz isso. É a autoridade DA IGREJA. Por mais que um sacerdote ou um Bispo diga o contrário, a Igreja é clara: não se pode deformar a liturgia, "seja com mudanças, com mutilações ou com acréscimos", e isso é um esvaziamento do "próprio ministério" do padre. Um padre que, por exemplo, omite textos previstos na Missa, modifica outros, insere alguns demais, inventa ritos, deixa de observar as normas, deixa de usar a casula, permite "palmas" na Missa, rock, pop, Comunhão self-service, uso excessivo de ministros extraordinários da Comunhão etc, está "deformando de maneira arbitrária a celebração litúrgica".

É preciso que os padres presidam "com piedade e fidelidade". Repito: PIEDADE (sem Missas-show, sem dessacralização, sem gestos de qualquer jeito) e FIDELIDADE (sem invenção de ritos, sem mudar as palavras, sem acrescentar, sem tirar). E isso "coerentemente com o que prometeram no rito da sagrada ordenação."

É a Igreja quem assim ensina. Por que alguns padres prometem uma coisa e depois não a cumprem?

Cada sacerdote que celebra a Missa "do seu jeito" está traindo, de modo gravíssimo, o solene juramento que professou no dia de sua ordenação: observar as normas, obedecer a Igreja.

Pense nisso, senhor padre, antes da próxima reunião de sua "equipe de liturgia", em que tantos rasgam o Missal e querem substituir os milenares ritos da Igreja por suas próprias convicções e falsas criatividades.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Entrevista com Pe. Paulo Ricardo




Segue a entrevista abaixo com Padre Paulo de Azevedo Junior.

1. Como V. Revma vê hoje a questão da Liturgia no Brasil e no mundo?

Nós estamos vivendo uma fase nova na história da Liturgia. Nós tivemos durante todo o século 20 um movimento litúrgico extraordinário de retorno as fontes; um progresso imenso no estudo da liturgia. Depois, com execução da Reforma Litúrgica do vaticano II, houve infelizmente uma aplicação muito errada da Reforma. Ela foi, de certa forma, positiva, mas muito mal aplicada. Agora vivemos uma terceira fase: a fase em que retomamos aquilo que poderíamos chamar de o “bonde perdido", retomamos o "trem perdido". Nós estávamos no movimento litúrgico, que foi interrompido por um processo revolucionário da década de 70 e 80, e agora estamos retomando aquele processo litúrgico anterior, para colher os frutos de um verdadeiro movimento litúrgico. É isso que o Papa Bento XVI, pelo menos espera colocar em ato, e aquilo que ele prevê no seu livro "introdução ao Espírito da Liturgia".


2. O saudoso Papa João Paulo II, na sua encíclica Ecclesia de Eucharistia, falava de "sombras" no modo com a Santa Missa é celebrada. Como interpretar essa expressão?

A meu ver essa sombras são exatamente isso: são frutos da má aplicação da Reforma Litúrgica. Nós vemos que, de alguma forma, entrou dentro do processo litúrgico da Igreja Católica uma mentalidade estranha e alheia a Igreja, que nós poderíamos chamar de mentalidade revolucionária, onde as pessoas fazem a Liturgia subjetiva, a partir dos seus gostos, de suas veleidades subjetivas. O Papa alerta para isso, e é necessário então nós retornarmos a forma tradicional da Igreja celebrar a Liturgia, mesmo que tenhamos os ritos litúrgicos do Vaticano II. Mas a Reforma Litúrgica do Vaticano II deve ser executada em sintonia com a tradição de 20 séculos.

3. Qual a importância do latim na celebração litúrgica? E do canto gregoriano?

A Liturgia só tem sentido quando ela é recebida do passado. Nós precisamos compreender que um rito litúrgico é algo recebido da tradição, recebido dos nossos pais. E é essa a importância do latim e do canto gregoriano. Ao se fazer orações em latim na Liturgia e ao se cantar cantos que foram cantados por gerações e gerações de cristãos antes de nós, nós tomando a consciência de que estamos vivendo algo que não foi inventado por nós, mas que nos une a uma multidão de santos e santas que viveram antes de nós, e que santificarem com aqueles textos e com aqueles cantos; se eles chegaram a se salvar e estar junto de Deus, também nós podemos fazer.

4. É possível resgatar um uso mais regular da língua latina mesmo na forma ordinária do Rito Romano, ou seja, na forma aprova pelo Papa Paulo VI? Como dar os passos para isso?

Não somente é possível como é desejável. Aliás, o próprio Papa Paulo VI e o Concílio Vaticano II sua constituição Sacrassanctum Concilium pediam isso: que os fiéis soubessem recitar e cantar orações em latim e usando o canto gregoriano. Agora, é evidente que tudo isso pode e deve ser feito dentro um processo, de um movimento gradual. Eu costumo sempre dizer que eu odeio tanto revoluções que as rejeito até quando elas são a meu favor. Uma revolução que de repente coloque tudo em latim e em gregoriano seria tão detestável quando a revolução da qual nós estamos querendo nos livrar. O povo de Deus não se move por decreto. O povo de Deus deve ser respeitado e educado lenta e gradualmente, trazido para a plenitude da fé católica e da beleza da Liturgia Católica, porque do contrario seria violentar o povo.

5. Quanto a Santa Missa “orientada” ou celebrada em “Versus Deum” (“Voltados para Deus”, isto é, com sacerdotes e fiéis voltados para a mesma direção), que o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”: essa disposição pode ser utilizada mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI? Qual o seu significado?”

Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol). Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das “conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do Concílio nem tratam do assunto.

A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica.

Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática.

A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico.

O que fazer então? Segundo o Papa Bento XVI, no livro que você citou, a caminho de retorno, sem que o povo sofra violências, é colocar a cruz de volta no centro do altar. Desta forma o sacerdote celebrante pode olhar claramente para o Crucificado durante a Liturgia Eucarística e não dar ao povo a errada impressão de que está falando com a assembleia.

6. O Santo Padre Bento restaurou, recentemente, a Comunhão de joelhos e na boca em suas Missas celebradas em Roma. Muitos se surpreenderam com essa atitude do Papa. O que pensar disso?

Eu devo confessar uma coisa: eu, durante vários anos como padre, insisti terminantemente que as pessoas comungassem na mão, devido aos meus estudos. Eu estudei as catequeses mistagógicas de São Cirilo, e lá ele ensina a comungar na mão. E eu insistia nisso, porque afinal das contas, são os Santos Padres que estão nos ensinando; é a volta às fontes. E eu insistia nisso, e ficava até com raiva quando um seminarista vinha comungar na boca. Mas vejam: eu sou canonista, e também sabia que o seminarista tinha o direito de receber a comunhão na boca. Por isso, eu não proibia, só ficava incomodado. Tudo isso era o que eu lutava e cria até a pouco tempo atrás, até que Bento XVI me deu uma rasteira.

Bento XVI começou a dar a comunhão na Liturgia do Papa para os fiéis de joelhos, num genuflexório e na boca. Eu fiquei inicialmente chocado com aquilo, até que eu fui estudar. Por que ele é Papa! Se ele está tomando uma atitude, alguma razão tem. Então eu fui estudar quais são as razões, e como é que surgiu a comunhão na mão.

A primeira coisa que me espantou: descobri que a comunhão na mão - que é algo que podemos fazer, porque foi permitido – ela é uma excessão, segundo a lei canônica; ou seja, canonicamente a forma normal, comum, corriqueira , de se comungar, é na boca. É isso que foi colocado na legislação por Paulo VI e está nas várias legislações de João Paulo II. Mas desde que Paulo VI concedeu a comunhão na mão, ela é claramente uma exceção, permitam-me a redundância, excepcionalíssima. Vamos ficar com a verdade: a atual legislação da Igreja diz que a comunhão normal é na boca.

No Missal de Paulo VI , quando ele foi aprovado em 1969 e 1970 – são as primeiras aprovações do Missal que nós celebramos – não existe nenhuma referência à comunhão na mão. A coisa surgiu depois. E investigando, eu descobri que nos países do Norte da Europa – Holanda, Alemanha... – o pessoal começou a comungar na mão por iniciativa própria, por desobediência. O Papa ficou sabendo, e o Vaticano disse: parem com isso! Mas o pessoal continuou. Então chegou uma hora em que, para não ter uma rebelião em massa, o Vaticano deu uma autorização as Conferências Episcopais – como a CNBB, aqui no Brasil, por exemplo – para que elas, se acharem oportuno, peçam permissão a Santa Sé e a Santa Sé então dá permissão para a Conferência receber a comunhão na mão; mas o normal continua sendo a comunhão na boca. E isso eu descobri lendo um livro de um Arcebispo que foi responsável por toda a Reforma Litúrgica: Dom Annibale Bugnini (La Riforma Liturgica 1948 – 1975, Roma: CVL). Foi ele o chefe da comissão responsável por elaborar o Missal que nós temos hoje. E isso ele disse claramente, é ele que narra; eu não ouvi isso de uma fofoca.

Quais são as razões de Bento XVI agora estar dando a comunhão na boca e de joelhos? O Papa já falou algumas vezes, quando ele era cardeal, e ultimamente ele tem falado através dos seus ajudantes. Portanto, as informações que vou passar aqui são de ajudantes do Papa, como seu mestre de cerimônias, Mons. Guido Marini; o ex-secretario da Congregação para o Culto Divino, Dom Ranjith, e o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, cardeal Cañizares. O Papa acha que nós estamos correndo um risco muito grande de perder a devoção e a fé na Eucaristia. Infelizmente, em alguns lugares da Igreja, a Presença Real de Jesus na Eucaristia está se tornando uma piada: ninguém acredita mais.

São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, recomendava aos seus fiéis que recebessem a comunhão nas mãos, e eu não estou recriminando isso: não é pecado receber a comunhão na mão. Mas São Cirilo não vive nos nossos dias, e eu duvido que na época dele houvesse esse tipo de escândalo que existe hoje, de gente que perdeu a fé na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Isso é muito grave e nós precisamos fazer alguma coisa.

Não é uma questão de arqueologia litúrgica: se formos fazer arqueologia, é evidente que a comunhão na mão é muito mais antiga, é muito mais tradicional, do que a comunhão de joelhos e na boca. Mas o problema é que nós estamos em uma época em que a Presença Real de Jesus na Eucaristia está sendo esquecida, deixada de lado, e isso mudou a minha opinião: o Papa tem razão. Uma pessoa que recebe a comunhão de joelhos está se inclinando diante da Majestade de Deus: Deus é Deus, eu não sou nada. A pessoa que está recebendo a Comunhão na boca porque até a migalha mais pequenina da Hóstia Consagrada é preciosa; não somente é pedagógico, mas é verdadeiramente adoração, é verdadeira devoção eucarística, é verdadeira entrega a Deus.

Nos tempos que correm, nós não podemos nos dar ao luxo de arqueologismos litúrgicos. No primeiro milênio não tinha comunhão na boca, mas também não tinha herege que não acreditava na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Nós estamos em um tempo diferente, e a Igreja evolui também na sua forma de demonstrar devoção a Cristo. Foi de mil anos para cá que começaram aquelas heresias que negaram a Presença de Cristo na Eucaristia que culminaram com a reforma protestante, que a negou de vez, e agora estamos nessa situação.

O Papa está nos dando exemplo de devoção eucarística, de verdadeira união a tradição da Igreja, mas uma tradição que sabe evoluir ao longo dos tempos; a Igreja sabe, como mãe e mestra, colocar o remédio certo na hora certa. E em um tempo em que, infelizmente, acontecem abusos e padres que perdem a fé na Presença de Jesus na Eucaristia, a Igreja como mãe e mestra quer renovar essa fé.

7. Em muitas dioceses há sacerdotes e ministros extraordinários que negam ministrar a Comunhão para o fiel que deseja comungar de joelhos, fazendo que os fiéis passem por situações constrangedoras e gerando escândalo. Como V. Revma. esse fenômeno, e o que fazer em relação a isso?

Eu sou professor de Direito Canônico, e uma das observações que eu faço em aula para os meus alunos é o seguinte: que de uma forma geral os padres e bispos tem alergia ao Direito Canônico, exatamente porque 90% das normas canônicas estão lá para defender os fiéis, os sacramentos e a Palavra de Deus do alvitre dos padres e bispos. Então é evidente que aqueles que são os mais tolhidos pelo Direito Canônico são aqueles que mais recalcitram contra ele. No entanto, o Direito Canônico é necessário. A Igreja dá poder aos padres e bispos, e ao mesmo tempo se apressa em limitá-lo. Porque sabe que pelo nosso pecado original nós temos uma tendência de abusar do poder. Negar a comunhão ao fiel que legitimamente deseja recebê-la de joelhos e na boca é sem dúvida alguma um abuso de poder. Para resolver o problema, eu recomendo aos fiéis prudência e determinação. Prudência para ver se com 10 mil homens você consegue vencer um exercito que vem contra você com 20 mil. E determinação para não abandonar a reverencia e a sacralidade da forma com nós recebemos a Sagrada Comunhão. Penso que é importante que os fiéis insistam num movimento litúrgico em que o verdadeiro espírito da Liturgia seja resgatado, mesmo que esse movimento tenha que pacientemente esperar décadas.

8. E quanto à forma extraordinária do rito romano, a ”Missa Tridentina"? Como vê V. Revma. esse aumento dos pedidos dos leigos para que se a celebre?

O Missal anterior aquele que nós celebramos hoje é um Missal que santificou gerações e gerações de cristãos. As pessoas vêem que existe algo de errado na forma de se celebrar hoje em dia, e por isso tem a tendência de imputar essas dificuldades ao Missal de Paulo VI. Ou seja, "se a Liturgia vai mal, é porque o Missal de Paulo VI é mau". Eu respeitosamente discordo dessa opinião. Eu acho que se nós executássemos o Missal de Paulo VI, se nós obedecêssemos a ele, teríamos uma Liturgia esplendorosa e magnífica. O problema é que não o fazemos. Então existem muitos equívocos com relação ao Missal de Paulo VI. Nós vemos, por exemplo, na internet, com freqüência, abusos litúrgicos que são fotografados e colocados dizendo: “Vejam o Missal de Paulo VI!” Quando isso é incorreto, ou seja, aquilo não é o Missal de Paulo VI, aquilo é o abuso dele. Não posso imputar ao Missal de Paulo VI os atos daqueles que estão destruíndo este Missal. Agora, esses pedidos que aumentam cada vez mais de se celebrar a Liturgia conforme o Rito Extraordinário são pedidos de pessoas bem intencionadas que querem voltar a tradição da Igreja, e por isso devem ser valorizados e respeitados, ao mesmo tempo em que essas pessoas deveriam ser esclarecidas, para que se compreendesse que a atual situação de desrespeito da Liturgia não é devida ao Missal, mas exatamente a ausência de respeito ao Missal.

9. Dizem que nas dioceses e instituições que prezam pela Liturgia bem celebrada, de acordo com as normas liturgias, com incentivo ao canto gregoriano, ao latim, mesmo ao canto popular mais sóbrio, e mesmo em vernáculo celebrada de forma decorosa e solene, haveria um aumento de vocações. Isso é verdade e como podemos analisar este fenômeno?

Eu concordo com o falecido cardeal Hans Urs von Balthasar, que dizia que o homem moderno será atraído para Deus não tanto pela verdade da fé, ou pela bondade do caminho moral cristão, mas pela beleza. Cita-se com freqüência a frase de Dostoiévski “a beleza salvará o mundo”. De alguma forma, é verdade que o homem moderno, se sente muito mais atraído para Deus, para a verdade da fé, e para a bondade do caminho cristão, se esta verdade e esta bondade forem apresentadas de forma bela. Este é o caminho que atrairia muitas pessoas a Deus. E atraindo essas pessoas com a celebração litúrgica bela, bonita e decorosa, certamente, entre elas, haveria muitas vocações. Eu não tenho duvida que uma celebração conforme a tradição da Igreja é fonte de vocações para a Igreja, e que celebrando mal, teremos menos padres, celebrando bem, teremos numerosas vocações.

10. O clero brasileiro percebe a importância do latim, do canto gregoriano, e assim por diante?

É necessário distinguir. Existe uma nova geração que está acordando para isto. A nova geração de padres e seminaristas está resgatando aquilo que a geração anterior jogou fora. Infelizmente esses padres jovens e seminaistas não tem nem poder e nem influencia suficiente para mudar substancialmente o contexto eclesial no qual eles vivem. Mas chegará o dia em que eles estará amadurecidos e prontos para assumir o comando, e então veremos uma situação melhor. Por isso eu diria que o clero brasileiro, de alguma forma, está dividido entre uma geração mais antiga, que viveu a revolução estudantil de 1968, os desmandos da aplicação inicial da reforma litúrgica, a revolução sexual, o secularismo, e todo o tipo de reação adversa ao cristianismo e à Igreja. Esta geração mais antiga é a geração que nos governa atualmente, eles são muito temerosos e resistem a querer enfrentar o mundo moderno. Já a geração mais nova é de uma outra lavra. Eles já nasceram dentro do secularismo, e portanto o rejeitam e não tem medo de enfrentá-lo. O único problema desta nova geração é que muitas vezes ela não tem formação e nem orientação suficiente para notar a sua vocação de transformação e reforma da atual situação de Igreja.

11. Como reitor de seminário, quais os meios que V. Revma. vê para formar seminaristas totalmente ortodoxos em matéria litúrgica?

Existem inúmeros meios. Uma das coisas que nós fazemos em nosso seminário é não supor que o rapaz que acaba ingressar no seminário é cristão e é católico. A fé ela deve ser transmitida. Então é necessário receber o candidato que ingressa no seminário transmitindo a ele a fé da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica, a Tradição da Igreja através de um conhecimento da história da Igreja, sobretudo da história da Igreja antiga, dos Santos Padres e dos primeiros concílios, transmitir a ele o sentido da correta interpretação das Sagradas Escrituras na Tradição da Igreja, e finalmente transmitir também o respeito as normas e aos textos litúrgicos. Se nós edificarmos esse rapaz em todo esse contexto geral de eclesialidade, ele irá, depois, obedecer as normas litúrgicas. A dificuldade que eu vejo sempre na obediência dos padres jovens é muitas vezes a dificuldade da ignorância. Eles não sabem o valor daquilo que estão jogando fora.

12. V. Revma. tem enfrentado resistências em algum esses sentidos? Como resolvê-las? Vê algum sinal de esperança?

A resistência nós a encontramos quando tentamos enfrentar o problema sem pedagogia e sem respeitar a história acontecida até agora. Vou tentar ser mais claro: em alguns lugares do Brasil, por exemplo, os padres insistem ainda em celebrar a Missa só de estola, sem casula. Ora, se eu chego e tento impor aquele padre o uso da casula, eu devo considerar primeiro o fato que se ele está usando somente estola é porque ele foi formado assim. E se eu for buscar a raiz, eu irei ver que essa desobediência tem origem na norma que foi dada pela Santa Sé permitindo ao clero brasileiro na década de 70 de celebrar a Missa apenas com túnica e estola. Portanto, é uma situação que foi instaurada pela própria autoridade da Igreja. Se agora eu tenho um decreto de Roma que manda, mais uma vez, que os padres abandonem este uso e comecem a usar a casula, eu tenho que considerar esta história e ter a paciência histórica de levar as pessoas à compreensão desta mudança. Então, as resistências muitas vezes são fortes quando nós não levamos em conta o fato de que nós temos toda uma geração que não recebeu uma formação adequada exatamente por causa dos próprios documentos e orientações que receberam. Portanto, talvez seja necessário ter paciência com esta geração mais antiga e esperar por uma geração nova formada de uma forma diferente.

13. Como V. Revma. enxerga a grande migração que muitos leigos, inclusive jovens, fazem em direção a grupos que, embora conservem a liturgia tradicional, a Missa Tridentina, não estão em plena comunhão com Roma? O que fazer para solucionar o problema?

Em primeiro lugar eu vejo que talvez o grupo não seja tão grande assim, pelo menos aqui no Brasil. Em segundo lugar, a solução para uma revolução nunca é uma outra revolução. A solução para uma revolução de esquerda não é uma revolução de direita. E o que eu entendo por revolução? A mente revolucionária é aquela cabeça de adolescente que está convencida de que sabe como o mundo deve ser, e por isso, o mundo está errado. Quando os jovens do movimento hippie viram o mundo dos seus pais e contestaram e rejeitaram aquele mundo, estavam sendo revolucionários. Quando o jovem tradicionalista de hoje vê o mundo dos seus pais, e o rejeita completamente, também está sendo revolucionário. Qual seria a solução? A solução é sempre vivermos num mundo real com suas dificuldades e contradições e tentar combater a maldade que nós encontramos no dia-a-dia sem destruí-lo. Sendo mais concreto: sair da Igreja para salvar a Igreja já foi tentado por Lutero e deu errado. É necessário abraçar a Igreja real, como ela sempre existiu em 2000 anos. Uma Igreja com membros cheios de pecados, falhas e traições, embora a Igreja seja santa e imaculada. A fidelidade à Igreja é parecida com a fidelidade de um casal. Uma comparação semelhante é feita por São Paulo em sua carta aos Efésios (6, 32). O casal precisa estar pronto para perdoar o pecado um do outro, sem desistir um do outro. O jovem que se divorcia da Igreja porque não suporta os defeitos dos seus membros está abandonando uma Igreja real para viver numa Igreja ideal que a meu ver não passa da expressão de uma revolução de direita.

14. O Cardeal Castrillón Hoyos insiste na chamada "ars celebrandi", expressão que é frequentemente utilizada também pelo Santo Padre Bento XVI. Em que ela consiste? Como colocá-la em prática?

A Liturgia é chamada historicamente de teatro. Para nós modernos, o teatro é sempre algo falso, algo sem consistência de sinceridade. Por isso, falar de arte de celebrar pode parecer a insistência numa pantomina e numa hipocrisia, mas não é isso. A Liturgia é teatro n sentido de drama. Nela, acontece o drama de nossa salvação. Nela, existe um conflito de liberdades: a liberdade divina e soberana, como protagonista principal desse grande drama, e a liberdade humana que deve se configurar a Deus. Nesse sentido, toda a historia da salvação é um drama, um teatro. A arte de celebrar é a entrada do ser humano todo neste drama extraordinário que a própria Liturgia chama de duelo entre a vida e a morte, é da sequência Pascal, “mors et vita duelo, conflixerunt mirando”. Neste contexto, a arte de celebrar significa uma entrada da pessoa como um todo dentro de um drama espiritual e isto acontece através dos símbolos litúrgicos que são também símbolos artísticos.

15. Quais são as causas, na visão de V. Revma., de tanto desleixo para com a Liturgia no Brasil? A Teologia da Libertação, o modernismo, condenado por São Pio X, bem como o marxismo cultural e a Revolução, têm que parcela de culpa?

Sem duvida alguma, aquilo de negativo que nós encontramos na atual vida litúrgica do Brasil, é fruto de um processo revolucionário. Mais uma vez eu gostaria de enfatizar o que é a mentalidade revolucionária:a mente revolucionário é aquela que está muito convencida da verdade das suas idéias, e quer impor ao mundo as suas idéias. Os liturgos revolucionários no Brasil tem a tendência de confeccionar uma liturgia mental, o ideal daquilo que seria a Liturgia para eles. E então aplicar essa idéia de Liturgia na prática. Ora, pouco importa que a matriz revolucionária desses pensamentos seja marxista, da Teologia da Libertação, modernista ou liberal; trata-se sempre de um único e mesmo mecanismo. O liturgista se propõe como demiurgo da Liturgia. Ele faz, ele cria, nesse sentido esses liturgistas que pretendem ser tão democráticos, na verdade, não passam de déspotas porque impõem a assembléia litúrgica as suas idéias de Liturgia. Nada de mais anti-democratico do que um liturgista revolucionário ou uma equipe litúrgica revolucionaria, que é uma pequena elite que impõe ditatorialmente ao povo de Deus as suas concepções de Liturgia. E o Direito Canônico diz claramente que o povo de Deus tem direito de receber dos seus Sagrados Pastores a Liturgia da Igreja.

16. Felizmente, hoje alguns excelentes escritos litúrgicos tem sido publicados ou chegando ao Brasil em português, como "Introdução ao Espírito da Liturgia", do Cardeal Ratzinger (hoje Papa Bento XVI), e "Dominus Est - É o Senhor!", de Dom Athanasius Schneider. Por que há essa dificuldade de tais materiais chegarem ao Brasil, e como avalias em geral os escritos litúrgicos publicados aqui?

Como eu me referi em uma outra pergunta, nós atualmente somos governados, tanto no âmbito político como no âmbito eclesial, pela geração que viveu as grandes mudanças da década de 70. A maior parte das pessoas dessa geração ou são plenamente revolucionarias ou tem um medo imenso de enfrentar a mentalidade revolucionaria. Por isso, a tendência de selecionar os títulos que são publicados no Brasil, já que a maior parte dos editores pensa ou que esses títulos são inoportunos, porque são editores revolucionários, ou que esses títulos não irão vender e que não há interesse geral porque são editores que já capitularam diante da pressão revolucionária. Um dos lugares onde as pessoas mais corajosas encontram um fórum livre, no qual podem ter acesso a esse tipo de literatura, é a internet. Embora muitos livros não estejam disponíveis em sua totalidade na internet, pode-se partilhar o conteúdo desses livros de forma indireta, através de resumos e resenhas.

17. Como V. Revma. avalia que o Santo Padre Bento XVI, em sua proposta de “reforma da reforma”, tem sido apoiado pela demais autoridades litúrgicas de Roma, Cardeal Cañizares, Cardeal Arinze, como Dom Guido Marini, Mons. Ranjith?

Essas pessoas citadas são todas pessoas de confiança direta do Santo Padre e que receberam o encargo de por em ação esse novo movimento litúrgico. Muitas pessoas reclamam da lentidão com que Roma estaria realizando esta Reforma da Reforma, mas eu creio que a lentidão faz parte desse processo. Não é necessário dizer que qualquer decreto vindo de Roma não tem efeito algum se não houver uma recepção na base, e que portanto, mais importante do que exarar decretos, é por em ação um movimento, principalmente entre os jovens, onde a sensibilidade para com a Liturgia da Igreja e a Tradição seja mais presente. É exatamente isto que esses homens estão fazendo.

18. Alguns padres mais novos começam a vestir batina, a usar clergyman, a celebrar com decoro, a se interessar pelo latim, pela forma ordinária bem celebrada (inclusive com latim e canto gregoriano), pela Missa Tridentina. Também leigos bem formados estão despertando e tomando iniciativas apostólicas para promover a Liturgia de acordo com o que nos manda a Santa Igreja e conforme a tradição da Igreja. O que diz V. Revma. disso tudo?

Vejo com bons olhos porque vejo a boa vontade desses jovens. Embora deva admitir que é necessário que toda essa boa vontade seja acompanhada de uma boa formação espiritual. Porque toda esta embalagem precisa ser acompanhada de conteúdo. Quanto eu era seminarista, no final da década de 80, já se notava na Europa uma tendência de os seminaristas serem mais conservadores do que os seus próprios formadores dentro dos seus seminários. No entanto, muitas vezes, por falta de formação espiritual, de uma vida ascética de disciplina, esta boa vontade dos seminaristas caiu na vazies de uma vida incoerente com aquilo que se propunha. Penso que é muito importante que o padre ame a sua batina, mas mais importante ainda é que ele honre a sua batina. Porque em alguns lugares tem tido um efeito devastador jovens sacerdotes se vestirem com a tradição e levarem uma vida moral em completo desrespeito com a Tradição. Por isso, vejo com bons olhos a boa vontade desses padres jovens e seminaristas, e ao mesmo tempo vejo com apreensão porque penso que é necessário dar a eles uma formação espiritual e ascética que corresponda a essa boa vontade. É aquilo que eu tentei fazer quando escrevi o meu livro sobre a Terapia das Doenças Espirituais.

19. Aos que querem a Missa mais sóbria, de acordo com as normas, com incenso, latim, paramentos bonitos, logo se lhes acusam de "rubricistas" ou de "obtusos", "antiquados" e até de "fariseus". Dizem que a Missa tem que ser "alegre", com improvisação, sem se prender a fórmulas. Alegam que pra Jesus, “o que importa é o coração, é o interior”. Como responder a tudo isso?

“Unum facere et alium non omittere”, Fazer uma coisa e não omitir a outra. Ou seja, observar as normas litúrgicas e obedecê-las não é algo que está divorciado com o coração. É necessário escolher as duas coisas. Obediência das normas e soprar sobre estas normas, que são letra morta, o Espírito com o qual elas foram elaboradas. O espírito que é uma verdadeira tradição espiritual da Igreja. Por isso, essa dicotomia é uma falsa alternativa. Seria como pedir a uma pessoa que escolhesse entre o corpo e a alma, dizendo a ela ou ela fica com a alma ou ela fica com o corpo. A única resposta possível é dizer: eu não escolho, eu fico com os dois. Eu fico com a norma litúrgica e fico com o coração.

20. Vemos no Brasil que, após décadas de predomínio do pensamento da Teologia da Libertação, uma nova tomada de consciência por parte de muitos fiéis no que diz respeito a Santa Missa como Renovação do Sacrifício do Calvário, a Presença Real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, e culto de adoração devido a Ele, e assim por diante. Porém, mesmo em alguns desses meios onde está ocorrendo esta tomada de consciência (como em alguns ambientes da Renovação Carismática Católica), ainda há uma resistência em celebrar conforme determinam as normas litúrgicas e valorizar realmente o esplendor e a solenidade segundo a tradição litúrgica. Qual a causa dessa contradição? Como resolver?

Existe uma idéia equivocada que pensa que o Evangelho é incompatível com a lei, ou seja, que o Espírito sopra onde quer e que uma lei só iria matar a verdadeira fidelidade ao Evangelho de Cristo. Mas esse idéia é equivocada. O Evangelho de Cristo é uma Palavra que me vincula. Quanto eu dou o meu assentimento de fé a Cristo, eu estou necessariamente vinculado a Palavra Dele, e portanto, na própria natureza do Evangelho e da resposta de fé, existe algo que me vincula e que me limita. Eu não posso trair a Palavra de Cristo. Eu não possa transformá-la em uma outra Palavra. Eu preciso aceitá-la, ser fiel a ela e transmiti-la como eu recebi. Isto que acontece com a Palavra deve acontecer também com o Sacramento. O que seria de nós, se nós disséssemos que eu preciso transmitir a Palavra de Deus com liberdade e criatividade? Terminaria que no curso de uma década, a Palavra de Deus pregada já não seria mais a Palavra de Cristo; talvez não seria nem necessário esperar uma década. A mesma coisa acontece com o Sacramento. O que me garante que o Sacramento que eu hoje celebro é o mesmo Sacramento do Cristo de 2000 anos atrás? É simplesmente o fato de que Ele deixou um Sacramento. E esse Sacramento me vincula, e eu preciso fazer de tudo para que esse Sacramento seja transmitido ao longo dos séculos tal qual ele é. Por isso, o Espírito, a liberdade e o Evangelho não são incompatíveis com a lei, a tradição e o vinculo necessário para que a Palavra e o Sacramento de Cristo seja os mesmos através dos séculos.

21. Um futuro promissor para a liturgia no Brasil é visto por V. Revma. a curto prazo? Quais os erros que devem ser evitados nesse trabalho de "reforma da reforma"?

Se nós olharmos para a história da Igreja, nós notaremos que nunca aconteceu aqui na terra o paraíso da Liturgia perfeita. Penso que é importante não esperar esse paraíso. O que nós podemos esperar para o nosso futuro é que nós tenhamos força e decisão moral o suficiente de proteger a Liturgia e os Sacramentos da Igreja, de lutar para que os Sacramentos e a Liturgia não sejam destruídos, mas celebrados conforme a Tradição, conforme aquilo que Jesus e os Apóstolos deixaram. Penso que é esse o futuro que nós podemos desejar para o Brasil. Também penso que não é possível prever o futuro, já que, em todo o futuro, existe uma liberdade humana, e dependerá de nós que esse futuro seja melhor do que aquilo que vivemos hoje.

22. Por fim, uma palavra de incentivo aos leitores do Salvem a Liturgia, e o seu pensamento a respeito do nosso Apostolado.

Penso que é de extrema importância colocar a Liturgia no centro dos debates e da vida eclesial. O Papa Bento XVI escolheu a Liturgia como a grande contribuição do seu pontificado. Aos leitores do salvem a Liturgia, eu gostaria de dizer que continuem amando e fazendo o bem a Igreja, da forma que estão fazendo, porque se salvarmos a Liturgia, seremos salvos por ela.

BENTO XVI: Luce del Mondo (Luz do Mundo): Comentários sobre a Liturgia (I).BENTO XVI: Luce del Mondo (Luz do Mundo): Comentários sobre a Liturgia.

Publicamos alguns trechos do livro-entrevista: BENTO XVI Luce del mondo: Il Papa, la Chiesa e i segni dei tempi. Una Conversazione com Peter Seewald. Libreria Editrice Vaticana: Cidade do Vaticano, 2010.

O livro foi lançado ontem em Roma, em Italiano e Alemão publicamos agora duas perguntas seguidas das respostas do Santo Padre, o Papa Bento XVI.

Qual é o renovamento verdadeiro, o renovamento justo? Uma vez o senhor falou com palavras dramáticas que o destino da fé da Igreja se decide "na relação com a liturgia". Uma pessoa desentendida poderia pensar: ao final de contas não é uma questão secundária as formas que se utilizam na Missa, quais as posições que fazem e quais as ações que cumprem?

A Igreja se torna visível aos homens de diversos maneiras: na Caritas, nos projetos missionários, mas o lugar no qual se faz realmente uma maior experiência de Igreja é na liturgia. E é justo que seja assim. Na verdade o sentido da Igreja é de permitir que nos voltemos para DEUS e deixar que DEUS entre no mundo. A liturgia é um ato pelo qual acreditamos que Ele vem até nós e nós o tocamos. É o ato pelo qual se cumpre o essencial: entramos em contato com DEUS, Ele vem a nós e somos iluminados por Ele.

Na liturgia somos edificados e fortalecidos de duas maneiras: de um lado, escutando a sua Palavra, nós O sentimos falar verdadeiramente, Ele nos indica a estrada a seguir; do outro lado pelo fato que Ele mesmo se doa a nós no PÃO Transubstanciado. Naturalmente as palavras podem ser diversas e as posições do corpo diferentes. Por exemplo, na Igreja Oriental existem alguns gestos diversos dos nossos. Na Índia, um gesto idêntico que temos em comum há em parte um significado diferente. O que realmente importa é que: no cerne esteja verdadeiramente a Palavra de DEUS e a realidade do Sacramento; que DEUS não vem a nós através da investigação do pensamento ou numa palavra fria e exagerada, e que a liturgia não se torna uma auto-representação. (p. 215-216)

Por isto que a liturgia é algo que foi dado? Preestabelecido?


Não somos nós a fazer qualquer coisa, nós não mostramos a nossa criatividade, nem tudo aquilo que sabemos fazer. Porque a liturgia não é um show, não é um teatro, não é um espetáculo, mas recebe sua vitalidade de um Outro. E isto deve também se tornar evidente. Por isto que a forma litúrgica preestabelecida é importante. Esta forma pode ser reformada naquilo que é específico, mas não é algo que a comunidade pode produzir. Não se trata de um produzir para si, mas se trata de um sair de si para dar-se a Ele e fazer-se tocar por Ele.

Neste sentido é importante não só a expressão mas também o caráter comunitário e unitário desta fórmula. Essa pode variar nos diversos ritos, mas deve sempre ter aquilo que a precede e que provém da plenitude da fé da Igreja, da plenitude da sua tradição, da plenitude da sua vida e não derivada simplesmente da moda do momento. (p. 216-217)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Bispo anglicano augura conversão de milhares ao catolicismo


LONDRES, 10 Nov. 10 / 01:25 pm (ACI).- Em declarações ao jornal The Times, o bispo anglicano John Broadhurst –que no fim de ano se incorporará à Igreja Católica– espera que milhares de pessoas seguirão o mesmo caminho em pouco tempo.

"As pessoas vão dizer que tudo está relacionado com (a votação anglicana a favor) da consagração episcopal de mulheres. Esse é o transfundo, mas em realidade está relacionado a uma oferta do Papa que sentíamos que não podíamos rejeitar", afirmou Broadhurst em referência à criação de um ordinariato especial, com estrutura similar a uma diocese, mas sem fronteiras geográficas para acolher os novos conversos do anglicanismo.

Segundo o pastor, "há muita gente interessada. Alguns dizem que vão esperar para ver o que acontece. Eu o entendo. Se as pessoas forem clérigos à frente de uma paróquia e com esposa e filhos, é algo que pode resultar preocupante. Mas suspeito que apesar de tudo milhares, não centenas, de seculares vão passar (à Igreja Católica)".

Broadhurst sustenta que se fez de tudo para obter no anglicanismo uma estrutura separada para as comunidades opostas à consagração episcopal de mulheres, mas não se obteve nada e só o Vaticano ofereceu uma solução quando pediram ajuda à Congregação para a Doutrina da Fé.

"A Igreja Católica vai me dar espaço para viver com dignidade. Explicamos à igreja da Inglaterra (anglicanos) o que queríamos, mas o recusaram. Disseram que não, que eles não eram católicos", indicou.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CARTA DO PAPA BENTO XVI AOS SEMINARISTAS

Queridos Seminaristas,


Em Dezembro de 1944, quando fui chamado para o serviço militar, o comandante de companhia perguntou a cada um de nós a profissão que sonhava ter no futuro. Respondi que queria tornar-me sacerdote católico. O subtenente replicou: Nesse caso, convém-lhe procurar outra coisa qualquer; na nova Alemanha, já não há necessidade de padres. Eu sabia que esta «nova Alemanha» estava já no fim e que, depois das enormes devastações causadas por aquela loucura no país, mais do que nunca haveria necessidade de sacerdotes. Hoje, a situação é completamente diversa; porém de vários modos, mesmo em nossos dias, muitos pensam que o sacerdócio católico não seja uma «profissão» do futuro, antes pertenceria já ao passado. Contrariando tais objecções e opiniões, vós, queridos amigos, decidistes-vos a entrar no Seminário, encaminhando-vos assim para o ministério sacerdotal na Igreja Católica. E fizestes bem, porque os homens sempre terão necessidade de Deus – mesmo na época do predomínio da técnica no mundo e da globalização –, do Deus que Se mostrou a nós em Jesus Cristo e nos reúne na Igreja universal, para aprender, com Ele e por meio d’Ele, a verdadeira vida e manter presentes e tornar eficazes os critérios da verdadeira humanidade. Sempre que o homem deixa de ter a noção de Deus, a vida torna-se vazia; tudo é insuficiente. Depois o homem busca refúgio na alienação ou na violência, ameaça esta que recai cada vez mais sobre a própria juventude. Deus vive; criou cada um de nós e, por conseguinte, conhece a todos. É tão grande que tem tempo para as nossas coisas mais insignificantes: «Até os cabelos da vossa cabeça estão contados». Deus vive, e precisa de homens que vivam para Ele e O levem aos outros. Sim, tem sentido tornar-se sacerdote: o mundo tem necessidade de sacerdotes, de pastores hoje, amanhã e sempre enquanto existir.

O Seminário é uma comunidade que caminha para o serviço sacerdotal. Nestas palavras, disse já algo de muito importante: uma pessoa não se torna sacerdote, sozinha. É necessária a «comunidade dos discípulos», o conjunto daqueles que querem servir a Igreja de todos. Com esta carta, quero evidenciar – olhando retrospectivamente também para o meu tempo de Seminário – alguns elementos importantes para o vosso caminho a fazer nestes anos.

1. Quem quer tornar-se sacerdote, deve ser sobretudo um «homem de Deus», como o apresenta São Paulo (1 Tm 6, 11). Para nós, Deus não é uma hipótese remota, não é um desconhecido que se retirou depois do «big-bang». Deus mostrou-Se em Jesus Cristo. No rosto de Jesus Cristo, vemos o rosto de Deus. Nas suas palavras, ouvimos o próprio Deus a falar connosco. Por isso, o elemento mais importante no caminho para o sacerdócio e ao longo de toda a vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. O sacerdote não é o administrador de uma associação qualquer, cujo número de membros se procura manter e aumentar. É o mensageiro de Deus no meio dos homens; quer conduzir a Deus, e assim fazer crescer também a verdadeira comunhão dos homens entre si. Por isso, queridos amigos, é muito importante aprenderdes a viver em permanente contacto com Deus. Quando o Senhor fala de «orar sempre», naturalmente não pede para estarmos continuamente a rezar por palavras, mas para conservarmos sempre o contacto interior com Deus. Exercitar-se neste contacto é o sentido da nossa oração. Por isso, é importante que o dia comece e acabe com a oração; que escutemos Deus na leitura da Sagrada Escritura; que Lhe digamos os nossos desejos e as nossas esperanças, as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos erros e o nosso agradecimento por cada coisa bela e boa, e que deste modo sempre O tenhamos diante dos nossos olhos como ponto de referência da nossa vida. Assim tornamo-nos sensíveis aos nossos erros e aprendemos a trabalhar para nos melhorarmos; mas tornamo-nos sensíveis também a tudo o que de belo e bom recebemos habitualmente cada dia, e assim cresce a gratidão. E, com a gratidão, cresce a alegria pelo facto de que Deus está perto de nós e podemos servi-Lo.

2. Para nós, Deus não é só uma palavra. Nos sacramentos, dá-Se pessoalmente a nós, através de elementos corporais. O centro da nossa relação com Deus e da configuração da nossa vida é a Eucaristia; celebrá-la com íntima participação e assim encontrar Cristo em pessoa deve ser o centro de todas as nossas jornadas. Para além do mais, São Cipriano interpretou a súplica do Evangelho «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», dizendo que o pão «nosso», que, como cristãos, podemos receber na Igreja, é precisamente Jesus eucarístico. Por conseguinte, na referida súplica do Pai Nosso, pedimos que Ele nos conceda cada dia este pão «nosso»; que o mesmo seja sempre o alimento da nossa vida, que Cristo ressuscitado, que Se nos dá na Eucaristia, plasme verdadeiramente toda a nossa vida com o esplendor do seu amor divino. Para uma recta celebração eucarística, é necessário aprendermos também a conhecer, compreender e amar a liturgia da Igreja na sua forma concreta. Na liturgia, rezamos com os fiéis de todos os séculos; passado, presente e futuro encontram-se num único grande coro de oração. A partir do meu próprio caminho, posso afirmar que é entusiasmante aprender a compreender pouco a pouco como tudo isto foi crescendo, quanta experiência de fé há na estrutura da liturgia da Missa, quantas gerações a formaram rezando.

3. Importante é também o sacramento da Penitência. Ensina a olhar-me do ponto de vista de Deus e obriga-me a ser honesto comigo mesmo; leva-me à humildade. Uma vez o Cura d’Ars disse: Pensais que não tem sentido obter a absolvição hoje, sabendo entretanto que amanhã fareis de novo os mesmos pecados. Mas – assim disse ele – o próprio Deus neste momento esquece os vossos pecados de amanhã, para vos dar a sua graça hoje. Embora tenhamos de lutar continuamente contra os mesmos erros, é importante opor-se ao embrutecimento da alma, à indiferença que se resigna com o facto de sermos feitos assim. Na grata certeza de que Deus me perdoa sempre de novo, é importante continuar a caminhar, sem cair em escrúpulos mas também sem cair na indiferença, que já não me faria lutar pela santidade e o aperfeiçoamento. E, deixando-me perdoar, aprendo também a perdoar aos outros; reconhecendo a minha miséria, também me torno mais tolerante e compreensivo com as fraquezas do próximo.

4. Mantende em vós também a sensibilidade pela piedade popular, que, apesar de diversa em todas as culturas, é sempre também muito semelhante, porque, no fim de contas, o coração do homem é o mesmo. É certo que a piedade popular tende para a irracionalidade e, às vezes, talvez mesmo para a exterioridade. No entanto, excluí-la, é completamente errado. Através dela, a fé entrou no coração dos homens, tornou-se parte dos seus sentimentos, dos seus costumes, do seu sentir e viver comum. Por isso a piedade popular é um grande património da Igreja. A fé fez-se carne e sangue. Seguramente a piedade popular deve ser sempre purificada, referida ao centro, mas merece a nossa estima; de modo plenamente real, ela faz de nós mesmos «Povo de Deus».

5. O tempo no Seminário é também e sobretudo tempo de estudo. A fé cristã possui uma dimensão racional e intelectual, que lhe é essencial. Sem tal dimensão, a fé deixaria de ser ela mesma. Paulo fala de uma «norma da doutrina», à qual fomos entregues no Baptismo (Rm 6, 17). Todos vós conheceis a frase de São Pedro, considerada pelos teólogos medievais como a justificação para uma teologia elaborada racional e cientificamente: «Sempre prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar “a razão” (logos) da vossa esperança» (1 Ped 3, 15). Adquirir a capacidade para dar tais respostas é uma das principais funções dos anos de Seminário. Tudo o que vos peço insistentemente é isto: Estudai com empenho! Fazei render os anos do estudo! Não vos arrependereis. É certo que muitas vezes as matérias de estudo parecem muito distantes da prática da vida cristã e do serviço pastoral. Mas é completamente errado pôr-se imediatamente e sempre a pergunta pragmática: Poderá isto servir-me no futuro? Terá utilidade prática, pastoral? É que não se trata apenas de aprender as coisas evidentemente úteis, mas de conhecer e compreender a estrutura interna da fé na sua totalidade, de modo que a mesma se torne resposta às questões dos homens, os quais, do ponto de vista exterior, mudam de geração em geração e todavia, no fundo, permanecem os mesmos. Por isso, é importante ultrapassar as questões volúveis do momento para se compreender as questões verdadeiras e próprias e, deste modo, perceber também as respostas como verdadeiras respostas. É importante conhecer a fundo e integralmente a Sagrada Escritura, na sua unidade de Antigo e Novo Testamento: a formação dos textos, a sua peculiaridade literária, a gradual composição dos mesmos até se formar o cânon dos livros sagrados, a unidade dinâmica interior que não se nota à superfície, mas é a única que dá a todos e cada um dos textos o seu pleno significado. É importante conhecer os Padres e os grandes Concílios, onde a Igreja assimilou, reflectindo e acreditando, as afirmações essenciais da Escritura. E poderia continuar assim: aquilo que designamos por dogmática é a compreensão dos diversos conteúdos da fé na sua unidade, mais ainda, na sua derradeira simplicidade, pois cada um dos detalhes, no fim de contas, é apenas explanação da fé no único Deus, que Se manifestou e continua a manifestar-Se a nós. Que é importante conhecer as questões essenciais da teologia moral e da doutrina social católica, não será preciso que vo-lo diga expressamente. Quão importante seja hoje a teologia ecuménica, conhecer as várias comunidade cristãs, é evidente; e o mesmo se diga da necessidade duma orientação fundamental sobre as grandes religiões e, não menos importante, sobre a filosofia: a compreensão daquele indagar e questionar humano ao qual a fé quer dar resposta. Mas aprendei também a compreender e – ouso dizer – a amar o direito canónico na sua necessidade intrínseca e nas formas da sua aplicação prática: uma sociedade sem direito seria uma sociedade desprovida de direitos. O direito é condição do amor. Agora não quero continuar o elenco, mas dizer-vos apenas e uma vez mais: Amai o estudo da teologia e segui-o com diligente sensibilidade para ancorardes a teologia à comunidade viva da Igreja, a qual, com a sua autoridade, não é um pólo oposto à ciência teológica, mas o seu pressuposto. Sem a Igreja que crê, a teologia deixa de ser ela própria e torna-se um conjunto de disciplinas diversas sem unidade interior.

6. Os anos no Seminário devem ser também um tempo de maturação humana. Para o sacerdote, que terá de acompanhar os outros ao longo do caminho da vida e até às portas da morte, é importante que ele mesmo tenha posto em justo equilíbrio coração e intelecto, razão e sentimento, corpo e alma, e que seja humanamente «íntegro». Por isso, a tradição cristã sempre associou às «virtudes teologais» as «virtudes cardeais», derivadas da experiência humana e da filosofia, e também em geral a sã tradição ética da humanidade. Di-lo, de maneira muito clara, Paulo aos Filipenses: «Quanto ao resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento» (4, 8). Faz parte deste contexto também a integração da sexualidade no conjunto da personalidade. A sexualidade é um dom do Criador, mas também uma função que tem a ver com o desenvolvimento do próprio ser humano. Quando não é integrada na pessoa, a sexualidade torna-se banal e ao mesmo tempo destrutiva. Vemos isto, hoje, em muitos exemplos da nossa sociedade. Recentemente, tivemos de constatar com grande mágoa que sacerdotes desfiguraram o seu ministério, abusando sexualmente de crianças e adolescentes. Em vez de levar as pessoas a uma humanidade madura e servir-lhes de exemplo, com os seus abusos provocaram devastações, pelas quais sentimos profunda pena e desgosto. Por causa de tudo isto, pode ter-se levantado em muitos, e talvez mesmo em vós próprios, esta questão: se é bom fazer-se sacerdote, se o caminho do celibato é sensato como vida humana. Mas o abuso, que há que reprovar profundamente, não pode desacreditar a missão sacerdotal, que permanece grande e pura. Graças a Deus, todos conhecemos sacerdotes convincentes, plasmados pela sua fé, que testemunham que, neste estado e precisamente na vida celibatária, é possível chegar a uma humanidade autêntica, pura e madura. Entretanto o sucedido deve tornar-nos mais vigilantes e solícitos, levando precisamente a interrogarmo-nos cuidadosamente a nós mesmos diante de Deus ao longo do caminho rumo ao sacerdócio, para compreender se este constitui a sua vontade para mim. É função dos padres confessores e dos vossos superiores acompanhar-vos e ajudar-vos neste percurso de discernimento. É um elemento essencial do vosso caminho praticar as virtudes humanas fundamentais, mantendo o olhar fixo em Deus que Se manifestou em Cristo, e deixar-se incessantemente purificar por Ele.

7. Hoje os princípios da vocação sacerdotal são mais variados e distintos do que nos anos passados. Muitas vezes a decisão para o sacerdócio desponta nas experiências de uma profissão secular já assumida. Frequentemente cresce nas comunidades, especialmente nos movimentos, que favorecem um encontro comunitário com Cristo e a sua Igreja, uma experiência espiritual e a alegria no serviço da fé. A decisão amadurece também em encontros muito pessoais com a grandeza e a miséria do ser humano. Deste modo os candidatos ao sacerdócio vivem muitas vezes em continentes espirituais completamente diversos; poderá ser difícil reconhecer os elementos comuns do futuro mandato e do seu itinerário espiritual. Por isso mesmo, o Seminário é importante como comunidade em caminho que está acima das várias formas de espiritualidade. Os movimentos são uma realidade magnífica; sabeis quanto os aprecio e amo como dom do Espírito Santo à Igreja. Mas devem ser avaliados segundo o modo como todos se abrem à realidade católica comum, à vida da única e comum Igreja de Cristo que permanece uma só em toda a sua variedade. O Seminário é o período em que aprendeis um com o outro e um do outro. Na convivência, por vezes talvez difícil, deveis aprender a generosidade e a tolerância não só suportando-vos mutuamente, mas também enriquecendo-vos um ao outro, de modo que cada um possa contribuir com os seus dotes peculiares para o conjunto, enquanto todos servem a mesma Igreja, o mesmo Senhor. Esta escola da tolerância, antes do aceitar-se e compreender-se na unidade do Corpo de Cristo, faz parte dos elementos importantes dos anos de Seminário.

Queridos seminaristas! Com estas linhas, quis mostrar-vos quanto penso em vós precisamente nestes tempos difíceis e quanto estou unido convosco na oração. Rezai também por mim, para que possa desempenhar bem o meu serviço, enquanto o Senhor quiser. Confio o vosso caminho de preparação para o sacerdócio à protecção materna de Maria Santíssima, cuja casa foi escola de bem e de graça. A todos vos abençoe Deus omnipotente Pai, Filho e Espírito Santo.
 
Vaticano, 18 de Outubro – Festa de São Lucas, Evangelista – do ano 2010.
 
 

sábado, 16 de outubro de 2010

Mitos Litúrgicos Comentados - Mito 22: Missa de frente para Deus ou de frente para os fiéis?


Este estudo é baseado no artigo "Mitos Litúrgicos", que escrevi e foi revisado por Sua Excelência Reverendíssima Antonio Carlos Rossi Keller, Bispo da Diocese de Frederico Westphalen (RS). O artigo lista 32 idéias equivocadas sobre a Sagrada Liturgia e contra-argumento com a palavra oficial da Santa Igreja. Foi publicado em Fevereiro de 2009 e pode ser lido na íntegra em:



http://www.salvemaliturgia.com/2009/04/mitos-liturgicos.html



Nesta vigésima segunda postagem, postamos o Mito 22, juntamente com um comentário atual a respeito, aprofundando o assunto.



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Mito 22: "Atualmente o padre tem que rezar de frente para os fiéis"



Não tem.



Foi publicada em 1993, no seu boletim Notitiae, uma nota da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos reafirma a licitude tanto da celebração "Versus Populum" (com o sacerdote voltado para o povo) quanto da "Versus Deum" (com o sacerdote e povo voltados para Deus, isto é, na mesma direção)



Assim, mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI, é perfeitamente possível que se celebre a Santa Missa com o sacerdote e os fiéis voltados na mesma direção.



O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI dedicou à este tema um capítulo inteiro do seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", publicado em 1999; é o capítulo III da parte II, denominado "O altar e a orientação da oração na Liturgia".



Neste texto, o Santo Padre incentiva a celebração em "Versus Deum", exaltando o profundo significado litúrgico que tem o sacerdote e os fiéis voltados para a mesma direção, isto é, para Deus.



Ele diz:



"O sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria. (... ) Não é que o olhar para o sacerdote seja de importância, é o olhar comum para o Senhor. Não é o diálogo que está agora em causa, mas a adoração comum, a partida para o futuro. Não é o círculo fechado que corresponde ao que está a acontecer, mas sim a partida em conjunto, que se manifesta para direção comum a todos."



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Comentário sobre este Mito (16/10):



Penso que esta questão da celebração em Versus Deum é algo que, há 6 anos atrás, era um assunto complicadíssimo de abordar, mesmo em meios católicos.



Agora, Deus tendo colocado no Trono de Pedro o Santo Padre Bento XVI, penso que isso é bem mais tranquilo de abordar, exatamente por já termos manifestação do Santo Padre sobre sobre o assunto, e mesmo ele já tendo celebrado a Santa Missa em Versus Deum várias vezes e publicamente, tanto como Cardeal como também enquanto Papa.



As referência do Papa encontram-se principalmente no seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia".



Essas citações trazemos mais abaixo, para enriquecer esta postagem, e mostrar claramente o pensamento do Papa.



Antes disso, retomamos algo que já dissemos anteriormente:



Nós somos BENEFICIÁRIOS da Santa Missa, e NÃO os seus DESTINATÁRIOS.



Pois a Santa Missa é Renovação do Único e Eterno Sacrifício de Nosso Senhor, consumado de uma vez por todas na cruz, tornado presente no altar e oferecido ao Pai Eterno, pelas mãos do sacerdote (Cat. 1362-1372; 1411); e é onde Nosso Senhor se faz presente verdadeiramente e substancialmente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (Cat. n. 1374-1377)



Deus é o DESTINATÁRIO, pois Ele recebe a nossa adoração; e nós somos BENEFICIÁRIOS, pois colhemos os frutos da participação no Santo Sacrifício da Missa, principalmente quando comungamos o Corpo de Deus.



Nesse sentido, a Missa é, ESSENCIALMENTE, NÃO para nós, para PARA DEUS.



Feitos estes pressupostos, vamos aos escritos do Papa.


No seu maravilhoso livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", o Papa, na "segunda parte", dedica o capítulo III inteiro para tratar desta questão.



O título é:



"O altar e a Orientação da Liturgia".



O Papa começa mostrando que, desde a Igreja Primitiva, existe uma tradição litúrgica da oração em todos em comum (fiéis e sacerdotes, portanto) voltavam-se para o Oriente, e explica as razões diss. Vamos as palavras do Papa:



"Há uma evidência comum para toda a Cristandade, que prevaleceu a todas as variações até o segundo milênio tardio: a orientação da oração para o Oriente é a tradição desde o início, é a expressão fundamental da síntese cristã do Cosmos, da Hístória, da consolidaão dentro da singularidade da História da Salvação e da aproximação do Senhor que há de vir."



E o Papa continua, tomando como exemplo da "orientação comum" as orações do judeus e dos muçulmanos, e reconhecendo as dificuldades do mundo moderno de compreender estes simbolismos:



O Papa reconhece que, enquanto "os homens de hoje não tem muita compreensão para essa orientação", a oração "em direção ao lugar central da revelação", sito é, "a Deus que se nos revelou, e como e onde se revelou", "continua a ser evidente para o Judaísmo e para o Islão".



E falando no nosso contexto cristão, o Papa explica:



"Tal como Deus se encarnou e entrou no espaço e no tempo, tal é conveniente para a oração - pelo menos na Missa - que o nosso falar com Deus seja e cristológico e que, mediante Aquele que se encarnou, se dirija a Deus Trino. O símbolo cósmico do Sol nascente é a expressão da universalidade que é superior a todo o lugar, afirmando, ao mesmo tempo, o concreto da Revelação de Deus. A nossa oração insere-se assim na peregrinação dos povos rumo a Deus."



O Papa presta ainda dois esclarecimentos históricos.



Primeiro esclarecimento:



Se por razões arquitetônicas nas construções das igrejas o sacerdote precisava se voltar para a direção do povo para celebrar voltado para o Oriente, o Papa responde, citando Cyrille Vogel:



"Se alguma vez se fez caso de algo, então foi que o sacerdote tinha que dirigir tanto a Oração Eucarísitca como todas as outras ações para o Oriente. Mesmo se a orientação do altar na igreja permitia ao sacerdote dirigir a oração ao povo, não nos podemos esquecer que, não apenas o sacerdote, mas também toda a assembléia se dirigia para o Oriente."



Quanto a isso, o jornalista Márcio Campos, em artigo publicado no ano passado em nosso blog, explica:



"No caso da Basílica de São Pedro, e de outras igrejas voltadas ao ocidente, quando o padre rezava voltado para o oriente, não só ele fazia isso: toda a assembléia também se voltava para a mesma direção. Ou seja, era o povo que "dava as costas" para o padre, e até para o altar."



Evidentente que NÃO estamos sugerindo que ninguém "fique de costas" para o altar em nossas igrejas, mas este dado histórico nos mostra a importância que a oração voltada em uma direção em comum tinha para os cristãos, mesmo que em algum contexto voltassem as costas para o altar, para Jesus Eucarístico e para o sacerdote.



O significado teológico disso é que a Missa é o Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, do próprio Cristo que celebra intercedendo por nós em sua entrega sacrificial, por Amor ao Pai e a nós; e portando, é o SAcrifício do Corpo de Cristo, isto é, da Igreja (Cat. 787-796), Cabeça e Membros; NÃO existe Sacrifício da Cabeça sem o Sacrifício dos membros. Sacrifício oferecido a quem? A Deus Pai! Portanto, é toda a assembléia que, POR CRISTO, COM CRISTO e EM CRISTO se dirige ao Pai.



Segundo esclarecimento: Mesmo na Última Ceia, Nosso Senhor celebrou em Versus Deum.



O Papa nos ensina, citando Louis Bouyer:



"A idéia - nomeadamente a da última ceia - de que a celebração Versus Populum tenha sido a forma original da Última Ceia, baseia-se simplesmente no conceito incorreto de um banquete cristão ou não cristão na Antiguidade. Nos primeiros tempos cristãos, nunca o dirigiente de um banquete teria tomado lugar diante dos outros participantes. Todos estavam sentados ou deitados no lado convexo de uma mesa em forma de sigma ou de ferradura. Em tempos da Antiguidade cristã nunca teria surgido a idéia de que o dirigente de um banquete devesse tomar o seu lugar Versus Populum. O caráter da convivência de um banquete era realçado precisamente pela ordenação oposta de lugares, isto é, todos estavam sentados do mesmo lado da mesa."



E o Papa explica o porque pode "parecer" que a Missa em Versus Populum seja mais adequada, e vai respondendo as objeções.



Diz o Papa que "a inovação da Liturgia deste século" desenvolveu a "idéia de uma nova configuração de Missa": "A Eucaristia teria que ser celebrada Versus Populum (em direção ao povo)", modo a que "o sacerdote e o povo se pudessem olhar mutuamente".



O Papa continua:



"Essas conclusões pareciam tão convincentes que, depois do Concílio (que em si não falava da orientação para o povo) foram erigidos altares novos por todo o lado; a direção da celebração "versus populum", surge hoje praticamente como o autêntico fruto da inovação litúrgica, em concordância com o Vaticano II. Na realidade, ela é a consequência mais visível da reestruturação que não implica apenas no ordenamente exterior dos lugares litúrgicos, mas sobretudo uma nova compreensão da natureza da liturgia como ceia."



O que o Papa está falando aqui é algo sério: por detrás da rejeição ao Versus Deum, está havendo uma perda de sentido a respeito da essência da Santa Missa.



Pois como dissemos anteriormente, que NÃO é apenas uma "ceia", mas é essencialemten a Renovação Incruenta do Sacrifício de Nosso Senhor. Embora a Santa Missa tenha uma dimensão de banquete e ceia, é um banquete essencialmente sacrifical, que perde totalmente o sentido se não reconhecermos nele a dimensão de Sacrifício. Pois na Santa Missa não nos alimentamos de uma comida qualquer como em um banquete ou ceia comuns, mas sim do Corpo de Deus.



Por isso, o saudoso Papa João Paulo II lamenta na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia (n. 10):



"As vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesma. Além disso, a necessidade do sacerdócio ministerial, que se fundamenta na sucessão apostólica, fica às vezes obscurecida, e a sacramentalidade da Eucaristia é reduzida à simples eficácia do anúncio. (...) Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um Dom demasiadamente grande para suportar ambigüidades e reduções."



Voltamos ao Papa Bento XVI, no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", prosseguindo a explicação:



"A esta análise de forma de "banquete", deve acrescentar-se que seria certamente insuficiente realizar uma descrição completa da Eucaristia Cristã apenas com base na " ceia". Apesar do Senhor ter oferecido a novidade do culto cristão no sentido de uma ceia judaica (Pascha), ele não ordenou a reiteração da ceia em si, mas sim do "novo" que ela constituia. Por isso é que o se separou muito rapidamente do contexto "velho", encontrando a sua própria forma que lhe era conforme e que já era preconcebida pelo fato da Eucaristia remeter para a cruz."



Pressegue o Papa, comentado a respeito das consequências negativas destas distorções:



"Só assim se pode explicar, que, doravante, a direção da oração comum do sacerdote e do povo tenho sido rotulada como "celebrar para a parede" ou "virar as coisas ao povo", o que, obviamente, parecia ser completamente absurdo e inadmissível. (...) Voltar-se em conjunto para o Oriente, não era era uma e não significava do sacertdote : no fundo, isso não tinha muita importância. Porque da mesma maneira como as pessoas na Sinagoga se voltavam para Jerusalém, elas voltavam-se aqui em conjunto . Trata-se - como foi escrito por um dos presbíteros que elaboraram a Constituição Litúrgica do Vaticano II, J. A. Jungmann - de uma orientação comum do sacerdote e do povo, que se entendim unidos na caminhada para o Senhor. Eles não se fecham no círculo, não se olham uns aos outros; são um povo que se põe a caminho para o Oriens, rumo a Cristo vindouro que se aproxima de nós".



Com efeito, o que importa não é estar "voltado para a parede" ou "estar de costas para o povo", mas sim, estar "Versus Deum", ou seja, "de frente para a Deus"!



Pois a referência NÃO é nem a parede, nem o povo, nem mesmo o sacerdote, mas Deus!



Outra consequência, aliás, que o Papa fala: a clericalização.



Fala o Papa:



"Na realidade, isso levou a uma clericalização jamais vista. O sacerdote - ou melhor, o agora chamado presidente da celebração - torna-se ponto de referência do todo. Tudo depende dele. É necessário vê-lo, participar na sua ação, responder-lhe; tudo assenta na sua criatividade. (...) Cada vez menos é Deus que se encontra em destaque, cada vez mais importância ganha tudo o que as pessoas aqui reunidas fazem e que em nada se querem submeter a um esquema prescrito. O sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria."



O Papa continua:



"É essencial voltar-se em conjunto para o Oriente na Oração Eucarística. Aqui, não se trata se algo casual, mas sim substancial. Não é que o olhar para o sacerdote seja de importância, é o olhar comum para o Senhor. Não é o diálogo que está agora em causa, mas a adoração comum, a partida para o futuro. Não é o círculo fechado que corresponde ao que está a acontecer, mas sim a partida em conjunto, que se manifesta para direção comum a todos. (...) Será que estamos tão perdidamente encerrados no nosso próprio círculo?"



Como vamos, são fortes os termos que o Papa usa ("essencial" para falar do Versus Deum na Oração Eucarística, "círculo fechado" para falar do Versus Populum).



Em tempo: vimos que o voltar-se fisicamente para o Oriente tem um sentido, conforme vimos na tradição litúrgica e nas palavras do Papa. Porém, é importante observar que o Versus Deum (ou seja, uma orientação física comum aos sacerdotes e aos fiéis) é possível de observar mesmo nos casos que NÁO se está fisicamente voltado para o oriente, e MANTÉM,evidentemente grande parte do seu simbolismo litúrgico.



Para aprofundar o assunto, existe um livro do grande liturgista, Mons. Klaus Gamber, chamado "Voltados para o Senhor".



O Prefácio a Edição Francesa é do próprio Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, onde ele escreve, no dia 18 de Novembro de 1992:



"O que dá importância a este livro é sobretudo o substrato teológico, posto em dia por esses

sábios investigadores. A orientação da oração comum a sacerdotes e fiéis (cuja forma simbólica era geralmente em direção ao leste/oriente, quer dizer, ao sol que se eleva), era concebida como um olhar lançado ao Senhor, ao verdadeiro sol. Há na liturgia uma antecipação de seu regresso: sacerdotes e fiéis vão ao seu encontro. Esta orientação da oração expressa no caráter teocêntrico da liturgia obedece à exortação: “Voltemo-nos para o Senhor”. Esta monição, esta chamada, dirige-se a todos nós, e mostra, indo além de seu aspecto litúrgico, como faz falta que toda a Igreja viva e atue para corresponder à mensagem do Senhor."



Neste livro, ao qual como vemos o Papa deu todo aval, chama a atenção o quanto Mons. Gamber é incisivo em afirmar a origem protestante do que hoje entendemos por Versus Populum.



IMPORTANTE: de forma alguma estamos afirmando aqui que as Missas em Versus Populum sejam algo essencialmente protestante, ou que todos os que as defendem tenham idéias protestantes; pois a Missa em Versus Polulum, apesar de o Papa e muitos liturgistas NÃO considerarem o jeito mais adequado liturgicamente de celebrar, Roma permitiu que assim também se celebrasse. O que estamos fazendo aqui é simplesmente retormarmos dados históricos para compreendermos a movimentação que deu origem a todas essas questões litúrgicas disputadas de hoje em dia.



Diz Mons. Gamber:



"A idéia de um face a face entre o sacerdote e a assembléia na Missa remonta a Martinho Lutero. (...) Como sabemos, Lutero negou o caráter sacrifical da Missa: não via nela mais que a proclamação da Palavra de Deus, à qual seguia a celebração da Ceia. Daqui vem sua exigência, já mencionada, de que o celebrante estivesse voltado para a assembléia. Certos teólogos católicos modernos não negam diretamente o caráter sacrifical da Missa, porém gostariam de vê-lo num segundo plano a fim de poder ressaltar melhor o caráter de ceia da celebração. Na maioria das vezes, por causa de considerações ecumênicas a favor dos protestantes, descuidando contudo

de seu ecumenismo quanto às igrejas orientais ortodoxas para as quais o caráter sacrifical da Divina Liturgia é um fato indiscutível. (...) Esperamos ter deixado claro que antes de Martinho Lutero, em parte alguma se encontra a idéia do sacerdote voltado para a assembléia durante a celebração da Santa Missa, nem tampouco a favor desta maneira de ver se pode invocar algum descobrimento arqueológico."


Também Guido Marini, Cerimoniário do Papa Bento XVI, no dia 06 de Janeiro de 2010, em Conferência no Vaticano para o ano sacerdotal (texto que publicamos em nosso blog), nos explica:



"Sem precisar recorrer a uma análise histórica detalhada de desenvolvimento da arte cristã, gostaríamos de reafirmar que a oração voltada para o oriente, mais especificamente, voltada para o Senhor, é uma expressão característica do autêntico espírito da liturgia. É neste sentido que somos convidados a voltar nossos corações para o Senhor durante a celebração da liturgia eucarística, como o diálogo introdutório do Prefácio bem nos recorda. Sursum corda “Corações ao alto”, exorta o sacerdote, e todos respondem: Habemus ad Dominum “O nosso coração está em Deus.” Ora, se tal orientação deve ser sempre adotada interiormente pela comunidade cristã inteira quando reunida em oração, deveria ser possível encontrar esta orientação expressa externamente também através de sinais. O sinal externo, além disso, não poderá ser verdadeiro, a não ser que através dele a atitude espiritual correta se torne visível."



Continua Dom Marini:



"Desta forma pode-se entender porque hoje ainda é possível celebrar a Santa Missa nos altares antigos, quando as características arquitetônicas e artísticas de nossas igrejas assim o permitirem. Também nisto, o Santo Padre nos dá um exemplo quando celebra a sagrada eucaristia no antigo altar na Capela Sistina na festa do Batismo do Senhor."



E ele conclui:



"Em nosso tempo, a expressão “celebração voltada para o povo” entrou no vocabulário comum. Se a intenção ao usar esta expressão é descrever a localização do sacerdote que, nos dias de hoje frequentemente se encontra voltado para a assembléia devido à posição do altar, tal expressão é aceitável. Todavia, tal expressão seria categoricamente inaceitável a partir do momento em que viesse a expressar uma proposição teológica. Teologicamente falando, a Santa Missa, na realidade, é sempre dirigida a Deus por Cristo Senhor, e seria um grave erro imaginar que a orientação principal da ação sacrifical é a comunidade. Logo, tal orientação, de se voltar em direção ao Senhor, tem que animar a participação interior de cada indivíduo durante a liturgia. É igualmente importante que esta orientação seja bem visível como sinal litúrgico também."


Também o Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, da Arquidiocese de Cuiabá-MT, em sua entrevista concendida ao nosso blog, afirma:




"Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol). Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das “conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do Concílio nem tratam do assunto. A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica. Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática. A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico."



Pe. Paulo se posiciona da mesma forma que o Papa:



"Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática. A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico."



Um fenômeno interessante que acontece émuitas vezes em novenas de Paróquias, em que o sacerdote celebra em Versus Populum, e na hora da oração da Novena após a Comunhão, o sacerdote se volta para uma imagem da Virgem Maria (no caso de uma novena mariana), não se importanto nesse caso de "dar as costas ao povo". Porque? Porque a novena no caso não é para o povo, e sim para a Virgem.



E a Santa Missa, é para quem?



Respondemos, abaixo, alguns questionamentos que frequentemente nos deparamos a respeito do assunto.



Primeira questão:



Na Missa em Versus Deum, sacerdote e fiéis ficam a Missa inteira voltados para a mesma direção?



Não.



E esta falta de entendimento a respeito de uma questão bem prática creio que pode gerar resistência para a idéia de celebrar em Versus Deum.



Muitos estranham o Versus Deum porque partem do pressuposto equivocado de que a Santa Missa é para os fiéis. Ora, partindo-se do pressuposto de que a Santa Missa NÃO é para os fiéis e sim pra Deus, nada mais natural do que o sacerdote voltar-se pra Deus nos momentos que se dirige à Deus, e voltar-se para o povo nos momentos que se dirigir ao povo (isso acontece na saudação inicial, ao dizer "Oremos", na Liturgia da Palavra, nas partes dialogadas como "Dominus Vobiscum" - "O Senhor esteja convosco" -, na apresentação do Corpo de Deus antes da Comunhão, na Benção Final e Despedida.



Ou seja: na Missa em Versus Deum, nos momentos em que o sacerdote se dirige para Deus, ele se volta para Deus; nos momentos em que o sacerdote fala para o povo, ele se volta para o povo.



Nada mais natural, não?



Segunda questão:



A Instrução Geral do Missal Romano orienta que a Missa, na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo, seja em Versus Populum?



Não.



Segundo a explicação do próprio Papa, o que ela orienta é que, ***se possível***, o altar seja construído afastado da parede, para ***possibilitar*** a celebração em Versus Populum; mas não somente para isso, mas para que o altar possa ser mais facilmente circundado, podendo ser incensado por todos os lados.



A este respeito, citamos a explicação do próprio Papa (Cardeal Joseph Ratzinger, A introdução

do decano do Sacro Colégio ao livro de Uwe Michael Lang, in 30 Dias, disponível

em http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=3510 ):



"Sobre a orientação do altar para o povo, não há sequer uma palavra no texto conciliar. Ela é mencionada em instruções pós-conciliares. A mais importante delas é a Institutio generalis Missalis Romani, a Introdução Geral ao novo Missal Romano, de 1969, onde, no número 262, se lê: "O altar maior deve ser construído separado da parede, de modo a que se possa facilmente andar ao seu redor e celebrar, nele, olhando na direção do povo [versus populum]". A introdução à nova edição do Missal Romano, de 2002, retomou esse texto à letra, mas, no final, acrescentou o seguinte: "Isso é desejável sempre que possível". Esse acréscimo foi lido por muitos como um enrijecimento do texto de 1969, no sentido de que agora haveria uma obrigação geral de construir - "sempre que possível" - os altares voltados para o povo. Essa interpretação, porém, já havia sido repelida pela Congregação para o Culto Divino, que tem competência sobre aquestão, em 25 de setembro de 2000, quando explicou que a palavra "expedit" [é desejável] não exprime uma obrigação."



Na própria Capela Privada do Papa, o altar é junto a parede, e nela o Papa tem o costuma de celebrar em Versus Deum, como podemos ver neste vídeo que publicamos há algum tempo atrás em nosso blog:



http://www.youtube.com/watch?v=7PUeRutbra4



Dizem alguns teólogos modernistas que a Liturgia, durante séculos, teve "erroneamente", como centro, a Presença Eucarística de Nosso Senhor (!). Tais modernistas compreendem bem o valor dos símbolos para o ser humano, e para que suas novas concepções litúrgicas sejam aos poucos assimiladas, fazem questão de desprezar os sinais externos da Liturgia que apontam para sua verdadeira essência e para a adoração de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada:



- o dobrar os joelhos para adorar



- as paramentações completas do sacerdote que celebra



- o altar esplendoroso, ornamentado com castiçais e arranjos de flores



- o uso frequente do incenso



- o valor do latim como língua sagrada



- a Santa Missa celebrada em Versus Deum ("Voltado para Deus", com sacerdote e povo voltados para a mesma direção, como o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia")



...e assim por diante.



É preciso perceber esta movimentação modernista e revolucionária que existe hoje, para nos posicionarmos.



Uma última questão: O que fazer quando, por razões diversas (sejam físicas, pastorais...) é impossível celebrar em Versus Deum?



Na celebração em Versus Deum, que é a forma tradicional de celebrar e a forma como o Papa recomendou no seu livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", o costume é colocar ocrucifixo no centro, acima do altar, em cima do Sacrário ou na parede, fazendo com que seja ponto de referência. Se a celebração for "Versus Populum" (com o sacerdote voltado para o povo), o Papa, no mesmo livro "Introdução ao Espírito da Liturgia", dá a seguinte orientação a respeito da cruz:



"Ela deveria se encontrar-se no meio do altar, sendo o ponto de vista comum para o sacerdote e para a comunidade orante."



E completa, expondo o problema de se colocar a cruz na parte lateral do altar ou ao lado dele, ao invés de colocar no centro, nas Missas em Versus Populum:



"Considero as inovações mais absurdas das últimas décadas aquelas que põe de lado a cruz, a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote. Será que a cruz incomoda a Eucaristia? Será que o sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser corrigido o mais depressa possível , não sendo precisoas para isso nenhumas reconstruções. O Senhor é o ponto de referência."



Este modelo de ornamentação de altar para as Missas celebradas em Versus Populum, com a cruz no centro e os castiçais dos lados dela, quem é a forma como o Papa normalmente celebra em Roma, se convencionou chamar de "arranjo beneditino". A cruz, evidentemente, é voltada para o sacerdote, que é quem celebra o Santo Sacrifício da Missa.



Também Dom Guido Marini, Cerimoniário do Papa, na mesma conferência que citamos acim,a concorda, dizendo:



"Que não se diga, portanto, que a imagem de nosso Senhor crucificado obstrui a visão que os fiéis têm do sacerdote, porque eles não estão ali para olhar para o celebrante naquele ponto da liturgia! Eles estão ali para voltar seus olhares para o Senhor! Da mesma maneira, o presidente da celebração também deve ser capaz de se voltar na direção do Senhor. O crucifixo não obstrui nossa visão; em vez disso ele expande nosso horizonte para ver o mundo de Deus; o crucifixo nos leva a meditar no mistério; nos introduz no céu de onde vem a única luz capaz de dar sentido à vida nesta terra. Nossa visão, na verdade, estaria cega e obstruída se nossos olhos permanecessem fixos naquelas coisas que mostram apenas o homem e suas obras."



Um problema pastoral que ainda se cria é: nesse caso, com a cruz voltada para o sacerdote, o povo não terá a sua disposição um crucifixo para voltar o seu olhar durante a Missa?



Penso que a solução para Missas em Versus Populum seja haver dois crucifixos: um no altar ou junto dele, voltado para o sacerdote, e outro voltado para os fiéis (seja ou lado do altar ou na abside, neste caso, na parede do fundo ou mesmo em cima do Sacrário, se este estiver no centro).



A desvantagem é que neste caso haverá dois Crucifixos, o que é desnecessário perante as normas litúrgicas, e penso que enfraquece o simbolismo de Nosso Senhor ser um só. Mas são os prejuízos do Versus Populum.



A Instrução Geral do Missal Romano (n. 122) afirma:



"A cruz adornada com a imagem de Cristo crucificado e levada na procissão pode colocar-se junto do altar, para se tornar a cruz do altar, que deve ser apenas uma, ou então seja guardada".



Penso, porém, que NÃO se trata de desobediência litúrgica se um dos crucifixos (o do sacerdote) estiver sobre o altar ou bem próximo a ele, e o outro crucifixo (o dos fiéis) estiver mais afastado do altar (na parede do fundo, por exemplo). Neste caso, consideramos "cruz do altar" apenas a do sacerdote.



Como testemunho pessoal, posso dizer que tenho a graça de participar, muitas vezes, da Missa em Versus Deum.



E já participei da Missa em Versus Deum tanto em latim como em vernáculo (português) - pois o Versus Deum independe da língua utiliza na celebração; tanto na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI, como também na forma tradicional (Tridentina).



As primeiras que participei dessas celebrações foram muito emocionantes para mim, e participar delas me faz compreender MUITO melhor: o valor do Santo Sacrifício da Missa; PARA

QUEM é celebrada a Santa Missa (para Deus, embora nós nos beneficiemos de seus frutos, como já comentamos); em última instância, me fizeram compreender melhor o infinito amor de Nosso

Senhor Jesus Cristo e o amor da Santíssima Trindade, que atinge o seu ápice na Santa Missa.